Descoberta de ondas gravitacionais primordiais levanta dúvidas nos seus próprios autores

Os cientistas que em Março passado anunciaram ter detectado os ecos no espaço-tempo da expansão inicial do Universo adoptaram agora uma postura mais recuada.

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Mapa da radiação cósmica de fundo do Universo, 380 mil anos após o Big Bang NASA/WMAP

As ondas gravitacionais primordias são o eco que nos chega hoje da brutal expansão (ou “inflação”) sofrida pelo Universo, quando este era um grãozinho mais pequeno do que um átomo e tinha apenas um décimo de bilionésimo de bilionésimo de bilionésimo de segundo de vida.

A descoberta foi noticiada no mundo inteiro, acolhida com emoção por especialistas e leigos e considerada um dos maiores avanços científicos das últimas décadas. Ao mesmo tempo, a sua primeira publicação “informal" surgiu naquela altura no arxiv.org, repositório online onde físicos e matemáticos submetem os seus resultados ao escrutínio dos seus pares.

Para detectar as ondas gravitacionais primordiais, a equipa internacional liderada por Kovac utilizou um telescópio chamado BICEP, instalado no Pólo Sul e concebido para observar os vestígios da luz emitida pelo Big Bang, que está hoje presente em todo o cosmos sob forma de microondas: a chamada radiação cósmica de fundo.

A ideia era que, se o Universo sofrera de facto uma expansão inicial, ela deveria ter deixado alguma (não importa quão diminuta) marca característica na polarização (difusão) dessa luz antiga que é a radiação cósmica de fundo. E foi essa marca, esse sinal – que os cientistas do BICEP procuravam há anos – cuja detecção foi anunciada em Março.

Contudo, vários especialistas puseram logo em causa o espectacular avanço. Em particular, a 8 de Abril, um artigo também publicado no arxiv.org veio questioná-lo de forma muito concreta. Nele, vários cosmólogos apresentavam dados que sugeriam que não era possível excluir a hipótese de que o sinal observado (e interpretado como o eco no espaço-tempo da expansão inicial do Universo pela equipa do BICEP) tivesse sido produzido de outra forma.

Mais precisamente, poderia ser o resultado da polarização da radiação cósmica pelas poeiras de uma explosão estelar na nossa galáxia – uma supernova situada na linha de mira do telescópio. E isso apesar das precauções que a equipa do BICEP tinha tomado para tal coisa não acontecer.

Na bibliografia do artigo agora publicado, os autores acrescentaram um parágrafo onde admitem que a informação de que dispunham para simular a presença de poeiras galácticas apresenta uma “incerteza que não pode ser quantificada”. E numa nota final do artigo, fazem notar ainda que a contaminação do campo de visão do telescópio por poeiras é provavelmente “mais elevada do que nos modelos” que utilizaram nas suas simulações.

“Não conhecemos suficientemente bem o tamanho do sinal relativo às poeiras”, diz o co-autor Colin Bischoff, citado pela revista New Scientist.

“Querem saber se estou menos confiante?”, interroga Clement Pryke, co-líder da descoberta, na mesma publicação. “Estou”, responde.


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