Consensual, positiva, residual: assim é a ciência nos telejornais da noite
Ciência no ecrã é uma análise sobre as notícias científicas que aparecem à noite, nos canais de sinal aberto.O estudo do Instituto Gulbenkian de Ciência e da Entidade Reguladora para a Comunicação Social é apresentado esta quinta-feira.
Ciência no ecrã — A divulgação televisiva da actividade científica é a análise feita pelo Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), em Oeiras, e pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). A análise, nunca antes feita, partiu do gabinete de comunicação do IGC que não tinha dados concretos sobre que ciência chega aos telejornais. “Nas discussões no IGC tínhamos uma percepção sobre as novidades da ciência que passam, onde e quando passam [para a comunicação social]”, explica Vítor Faustino, do gabinete de comunicação.
A ERC foi um ponto de partida para a recolha dos dados. Um dos objectivos da entidade é assegurar o pluralismo dos temas noticiados e a ciência e tecnologia são um desses temas. A instituição faz a monitorização do noticiário de horário nobre com dados semanais: em 2011, o espaço reservado à ciência e tecnologia nos telejornais era de 0,8%. Nesse ano, a política nacional tinha 26,9%, a economia 11,5% e a cultura 3,4%. Porém, em 2008, o espaço das notícias de ciência era de 1,7%. Esta descida entre 2008 e 2011 pode dever-se à crise, que fez subir o número de notícias de economia.
O estudo agora apresentado foi mais longe. A equipa observou todas as peças noticiosas de ciência dos jornais da noite da RTP1, RTP2, SIC e TVI. Os autores identificaram 319 peças sobre ciência nos 18 meses. A duração média de cada uma foi de três minutos e 24 segundos, alguns segundos a mais do que a peça noticiosa média, já que é preciso descodificar conceitos científicos. Os canais privados noticiaram 198 peças, mais 77 do que a televisão pública.
Os temas de ciência “são categorias residuais”, defende Tânia de Morais Soares, uma das coordenadoras do projecto e directora do Departamento de Análise de Media da ERC. “Em compensação, as fontes das notícias — os cientistas — acabam por ser convocados para outros grandes temas”, diz. O relatório mostra ainda que o jornalismo prefere cientistas homens, como actores das peças, do que mulheres.
Ciência na imprensa entre 1976 e 2005
Apenas 7,5% das notícias de ciência abrem a primeira parte ou a segunda do telejornal. Pelo contrário, 11% das peças fecham estes blocos informativos. “A ciência tem uma imagem positiva, associada à saúde ou às novas tecnologias. É uma imagem ligada à resolução de problemas”, explica por sua vez o sociólogo Rui de Brito Fonseca, do Instituto de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), que, além de ter sido consultor neste estudo, defendeu ontem a sua tese de doutoramento sobre noticiário de ciência na imprensa escrita entre 1976 e 2005.
Rui de Brito Fonseca comparou jornais ditos “populares” (A Capital e Correio da Manhã) com jornais de “referência” (Diário de Notícias e PÚBLICO). O investigador destaca uma evolução para um jornalismo “mais crítico sobre a ciência” na imprensa escrita de referência.
Na televisão, esta primeira análise do IGC e da ERC é ainda demasiado curta para permitir avaliar se a evolução verificada nos jornais também se repete no ecrã: “O tom é positivo e realça as descobertas, mas será que há uma evolução para a crítica?”
Na análise sobre a televisão, os autores destacam que, depois da escola, é pela televisão que a ciência chega às pessoas: “Num país onde a leitura dos jornais é baixa, onde faltam rubricas e media especializados em temáticas científicas, a importância do meio televisivo é enorme.”
Ana Godinho, coordenadora do projecto no IGC e que trabalha agora no gabinete de comunicação da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, defende que este trabalho “é um ponto de partida” para o estudo da comunicação de ciência na televisão e espera que, na conferência desta quinta-feira, estes temas sejam debatidos entre jornalistas e cientistas para haver mais abertura de ambos os lados.
“É preciso promover o pensamento crítico em relação à ciência na população. A comunidade científica não espera uma atitude passiva dos contribuintes, mas que eles questionem a ciência de uma forma construtiva”, diz Ana Godinho, admitindo que as notícias de ciência na televisão não chegam para formar literacia científica. “Os magazines e os documentários permitem contar histórias e não se ficam pelo sound bite’”