Como viver mais de 200 anos? Olhemos para a baleia-do-árctico
Equipa internacional liderada por cientista português descodificou o genoma da segunda maior baleia nos oceanos da Terra, que é também o mamífero que vive mais tempo.
Ao compararem o genoma da baleia-do-árctico com o de outros mamíferos, os cientistas descobriram diferenças nos genes da baleia ligados à reparação da molécula de ADN, ao ciclo celular, ao cancro e ao processo de envelhecimento que podem ajudar a explicar a sua vitalidade e vida longa.
“Este é o maior animal cujo genoma foi sequenciado até agora e é a primeira grande baleia a ser sequenciada”, sublinhou o geneticista João Pedro de Magalhães, cuja equipa publicou os resultados deste trabalho na edição desta semana revista Cell Reports. A equipa disponibilizou ainda os dados num site para facilitar a investigação genética sobre esta espécie.
“Através da identificação de novos mecanismos de manutenção e reparação [genéticos], esperamos aprender qual é o segredo para se viver mais tempo e de forma saudável e ser capazes de aplicar este conhecimento para melhorar a saúde humana e preservar a vida humana”, acrescentou João Pedro de Magalhães.
“A compreensão das diferenças de longevidade nas espécies é muito pobre, por isso o nosso trabalho fornece novos genes candidatos [a explicar essas diferenças] para estudos futuros”, referiu ainda o geneticista português, citado num comunicado da Cell Press, o grupo editorial que publica a Cell Reports. “O meu entendimento é que as espécies desenvolveram ‘truques’ diferentes ao longo da evolução para viverem mais tempo. Ao descobrirmos os ‘truques’ usados pela baleia-do-árctico, talvez possamos aplicar esses resultados aos humanos para combater doenças relacionadas com a idade.”
1000 vezes mais células do que nós
A baleia-do-árctico, que vive mais do que qualquer outro mamífero, está entre as maiores criaturas da Terra. Chega aos 18 metros de comprimento e é a segunda maior baleia, a seguir à baleia-azul. Vive mais a norte do que qualquer outra baleia e utiliza a cabeça, que tem uma forma curva, para quebrar o gelo durante as migrações, para vir à superfície respirar. É quase toda preta, com parte da mandíbula inferior branca. Para se alimentar, filtra a água, comendo grandes quantidades de zooplâncton.
Tem também cerca de 1000 vezes mais células do que os seres humanos, o que torna a sua longevidade ainda mais interessante, já que a multiplicação celular para manter esse corpo poderia levar a mais mutações genéticas e, consequentemente, a maiores probabilidades de ocorrência de cancro. Na realidade, a baleia-do-árctico não tem um risco maior de cancro do que nós, pelo contrário.
“A baleia-do-árctico pesa entre 50 a 100 toneladas em adulta e tem provavelmente 1000 vezes mais células do que os humanos, mas aparentemente tem uma resposta anti-tumoral ao nível celular que é muito mais eficiente do que a que encontramos nos humanos”, diz outro autor do artigo científico, o biólogo Mads Peter Heide-Jørgensen, do Instituto de Recursos Naturais da Gronelândia e da Universidade de Copenhaga, na Dinamarca.
Os cientistas consideram que o genoma da baleia-do-árctico também pode ajudar a explicar as adaptações fisiológicas ligadas ao tamanho corporal. João Pedro de Magalhães explicou que as células das baleias têm uma taxa metabólica muito mais baixa do que os mamíferos pequenos. E acrescentou que o estudo do genoma detectou alterações num gene específico envolvido na regulação da temperatura do corpo que pode estar relacionado com diferenças metabólicas nas células das baleias.
O genoma da baleia-do-árctico é ligeiramente mais pequeno do que o genoma típico de um mamífero, incluindo o dos seres humanos. “Falando genericamente, espécies mais complexas tendem a ter genomas maiores com mais genes, mas penso que nos mamíferos não há uma correlação entre o tamanho do corpo e o tamanho do genoma”, referiu ainda o geneticista português.
O próximo passo da equipa, segundo o comunicado, é tentar criar ratinhos geneticamente modificados – nos quais se introduzirão vários genes da baleia-do-árctico –, para assim determinar a importância desses genes na longevidade e na resistência às doenças.