A física explica como Usain Bolt vence o ar
O homem mais rápido da Terra correu os 100 metros em 9,58 segundos e esse desempenho foi esmiuçado por uma equipa de físicos.
Segundo um modelo matemático da equipa de Jorge Hernández, da Universidade Autónoma do México, o tempo de 9,58 segundos obtido por Bolt nos Mundiais de atletismo de Berlim necessitou de uma força média de 815,8 newtons. E o atleta jamaicano atingiu uma velocidade máxima de 12,2 metros por segundo, explica um comunicado do Instituto de Física, no Reino Unido, que edita a European Journal of Physics.
Mas o mais extraordinário do desempenho de Bolt, segundo os cientistas, é a energia mecânica (“trabalho”) que o atleta teve de desenvolver para vencer os efeitos da resistência do ar, que são ampliados pela sua grande altura.
Tendo em consideração a altitude a que se encontra a pista de Berlim, a temperatura média do momento da corrida e o próprio perfil de Bolt, a equipa calculou que ele tinha um coeficiente de resistência aerodinâmica (também chamado coeficiente de arrasto ou apenas coeficiente aerodinâmico) de 1,2. Dito por outras palavras, ele é menos aerodinâmico do que a média das pessoas.
Ainda segundo os cálculos, Bolt desenvolveu 81,58 quilojoules (kj) de energia durante os 9,58 segundos da corrida, mas apenas usou 7,79% dessa energia para se mover. Toda a energia restante (92,21%, ou seja 75,22 kj) foi absorvida pela resistência aerodinâmica, uma força em sentido oposto àquela que o corredor exerce quando se desloca para a frente.
Os cálculos indicam que ainda não tinha decorrido sequer um segundo da corrida (apenas 0,90 segundos, mais exactamente) e a energia que Bolt desenvolvia já atingia uma potência máxima de 2619,5 watts. No entanto, nessa altura ele corria “apenas” a metade sua velocidade máxima. O que isto nos demonstra é o efeito quase instantâneo da força de arrasto – e o que ele teve de superar para ser recordista.
“O coeficiente de arrasto que calculámos evidencia as capacidades excepcionais de Bolt. Foi capaz de pulverizar vários recordes, apesar de não ser tão aerodinâmico como um humano consegue ser. A enorme quantidade de ‘trabalho’ que Bolt desenvolveu em 2009 e a quantidade que foi absorvida pelo arrasto é verdadeiramente extraordinária”, comenta Jorge Hernández, citado no comunicado.
Cada vez é mais difícil bater recordes e a equipa explica porquê. “Os corredores têm de ser muito poderosos contra uma força tremenda que aumenta enormemente por cada bocadinho a mais de velocidade que são capazes de desenvolver. Tudo isto por causa das ‘barreiras físicas’ impostas pelas condições da Terra”, refere Jorge Hernández. “Claro que se Bolt corresse num planeta com uma atmosfera um pouco menos densa, atingiria recordes fantásticos.”
A equipa analisou ainda o efeito do vento nas costas do corredor, que pode variar nas corridas e reduzir de forma significativa as marcas obtidas. A este propósito, os físicos compararam o desempenho de Bolt em Berlim, onde teve ventos favoráveis de 0,9 metros por segundo, com o seu anterior recorde mundial (9,69 segundos), nos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, onde a corrida decorreu sem estes ventos.
Na perspectiva da equipa, o atleta teria obtido resultados menos bons se os ventos não tivessem sido favoráveis em Berlim, mas mesmo assim bateria o seu recorde de Pequim, com um tempo estimado de 9,68 segundos.
O físico teórico britânico John D. Barrow, da Universidade de Cambridge, já teve também curiosidade de analisar o desempenho de Bolt e fez os seus próprios cálculos no ano passado, como lembra agora o jornal The Independent: concluiu que o homem mais rápido do mundo poderia ainda reduzir 0,13 segundos ao actual recorde mundial dos 100 metros, se no início da corrida melhorasse os tempos de reacção e corresse com as melhores condições possíveis de vento.
Este último trabalho sobre o desempenho de Bolt visto à luz da física utilizou um aparelho que usa o laser para medir as velocidades, dados disponibilizados pela Federação Internacional de Atletismo (IAAF). “Os registos rigorosos da posição de Bolt e da velocidade durante a corrida foram uma excelente oportunidade para estudarmos os efeitos do arrasto num velocista. Se mais dados houver no futuro, será interessante ver o que distingue um atleta de outro.”
Daqui a duas semanas, Bolt estará nos Mundiais de atletismo de Moscovo, para os 100 metros. Voltará a superar-se – e a surpreender-nos?