Bairro de lata na capital da Libéria é o epicentro do pior cenário do ébola
Monróvia enfrenta o surto com cada vez menos comida, combustível, bens básicos e um sistema de saúde depauperado. Missionários norte-americanos que tiveram ébola saíram ontem do hospital.
“Saímos de casa e não podíamos ir a nenhum local. Não ouvi de nenhuma autoridade o que aconteceu”, disse na quarta-feira um dos habitantes identificados pela Reuters apenas por Barry, de 45 anos. Algumas províncias no Norte da Libéria já estavam em estado de quarentena, e a capital tem recolher nocturno obrigatório. As medidas de quarentena estão contempladas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde que declarou, a 8 de Agosto, o estado de “emergência de saúde pública de âmbito internacional” em relação ao surto do ébola em África Ocidental.
Há já 2357 casos e 1350 mortes espalhados pela Guiné-Conacri, Libéria, Serra Leoa e Nigéria, segundo a OMS. Os surtos de ébola nunca tinham atingido uma capital no passado, mantinham-se normalmente em povoações mais ou menos remotas. A densidade populacional nas grandes cidades permite mais contactos entre pessoas e facilita o contágio. Há cerca de um milhão de pessoas em quarentena por causa do surto e a OMS já pediu ajuda alimentar ao Programa de Alimentação Mundial para todas estas pessoas.
Mas em West Point há uma enorme desconfiança e surge todo o tipo de especulações. Um habitante disse à Reuters que o Governo tinha fechado o bairro para trazer a doença lá para dentro.
Shakie Kamara, um adolescente de 15 anos, foi ferido no tornozelo durante os desacatos no bairro de quem não queria cumprir a quarentena, de acordo com o jornal norte-americano New York Times. “Isto está um caos”, desabafou o tenente-coronel Abraham Kromah, chefe das operações da polícia da Libéria, ao olhar para o adolescente. “Eles feriram um dos meus polícias. Isso não é bom. É um grupo de criminosos que fez isto. Olhem para esta criança. Deus nos ajude.”
Cada vez menos companhias aéreas estão a voar para os países afectados pelo surto e a OMS alertou que o combustível, os alimentos e os bens básicos começam a faltar. Na capital da Libéria há outro problema. “A emergência dentro da emergência é o colapso do sistema de saúde”, explicou Joanne Liu, presidente dos Médicos Sem Fronteiras, citada pelo New York Times. “As pessoas não têm acesso aos cuidados de saúde básicos.”
Nesta quinta-feira, soube-se que os dois missionários norte-americanos infectados pelo vírus do ébola na Libéria, e que voltaram depois para os EUA no início de Agosto, já tiveram alta do Hospital da Universidade de Emory, em Atlanta. “Estou agradecido a Deus para sempre por me ter poupado a vida”, disse ontem Kent Brantly, médico de 33 anos, aos jornalistas. Nancy Writebol, de 59 anos, já tinha deixado o hospital na terça-feira, e encontra-se com o marido em local não divulgado.
Os dois norte-americanos receberam um medicamento experimental chamado ZMapp contra o vírus do ébola, nunca antes testado em seres humanos. Outros três médicos africanos, na Libéria, também receberam o ZMapp, e têm tido melhoras. Ainda é cedo para dizer que Kent Brantly e Nancy Writebol conseguiram ver-se livres do vírus devido ao medicamento experimental. “A resposta honesta é que não fazemos ideia”, disse Bruce Ribner, director da unidade de doenças infecciosas do hospital de Atlanta, aos jornalistas. Para o médico, a “chave” de qualquer tratamento do ébola é um acompanhamento médico agressivo. Os stocks do ZMapp já estão esgotados
A OMS revelou nesta quinta-feira uma reunião para 4 e 5 de Setembro sobre tratamentos e vacinas em fase muito experimental para o ébola. A organização deu o aval ético para o uso de tratamentos experimentais contra o ébola.