Anunciado megaprojecto norte-americano de mapeamento do cérebro
Barack Obama apresentou oficialmente, esta terça-feira, a iniciativa Brain, que considera ser um dos grandes desafios para o século XXI.
O projecto, designado Brain Research Through Advancing Innovative Neurotechnologies – ou simplesmente pelo acrónimo Brain –, já foi comparado ao Projecto do Genoma Humano, desenvolvido nos anos de 1990 para sequenciar a totalidade do nosso ADN.
E foi precisamente nesse exemplo que Obama se baseou agora para justificar a necessidade de financiar o novo projecto em prol do desenvolvimento económico dos EUA. Numa curta intervenção, feita perante um público de especialistas na sala de imprensa da Casa Branca – e transmitida em directo pela Web –, salientou que, por cada dólar investido no mapeamento do genoma humano, o retorno para a economia norte-americana foi de 140 dólares.
“A investigação básica é um dos motores do crescimento”, disse ainda, acrescentando que, neste momento, a nova fronteira é perceber o “quilo e meio de matéria” que temos na cabeça, “com os seus 100 mil milhões de neurónios e os seus milhões de milhões de ligações nervosas”.
O objectivo da nova iniciativa, lê-se ainda no comunicado, é “acelerar o desenvolvimento e aplicação de novas tecnologias que permitam aos investigadores produzir imagens dinâmicas do cérebro, mostrando como as células individuais e os sistemas neurais complexos interagem à velocidade do pensamento.” Para, em última análise, conseguir encontrar formas de prevenir, tratar e/ou curar males devastadores como as doenças de Alzheimer ou de Parkinson.
Estima-se que o custo total do projecto venha a rondar os três mil milhões de dólares, sendo suportado principalmente, pelo menos no arranque, pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH, a agência governamental que financia a investigação pública médica nos EUA), a NSF (Fundação Nacional de Ciência) e a agência militar DARPA (Agência de Projectos Avançados de Investigação para a Defesa). O programa tem ainda o apoio de vários parceiros privados tais como o Instituto Allen para as Neurociências, o Instituto Médico Howard Hughes, a Fundação Kavli e o Instituto Salk de Estudos Biológicos - e espera-se que muitos outros venham juntar-se à iniciativa.
Um “núcleo duro” de cientistas, liderados por Cornelia Bargmann, da Universidade Rockefeller, e William Newsome, da Universidade de Stanford, deverá definir nos próximos meses os objectivos científicos pormenorizados e um plano multianual para os atingir, incluindo calendários, metas intermédias e estimativas de custo.
Todavia, “a primeira coisa a dizer sobre esta iniciativa é que não deve ser confundida com um ‘projecto do genoma’", disse ao PÚBLICO o neurocientista português António Damásio, director do Brain and Creativity Institute na Universidade da Califórnia do Sul. "No caso do projecto do genoma, sabíamos de que estávamos à procura e tratava-se de fazer um trabalhoso e meticuloso mapeamento. Quanto ao projecto do cérebro dos EUA, é uma procura aberta de novas técnicas – e a dimensão do financiamento também é totalmente diferente.”
A iniciativa tem contudo os seus críticos, como refere um extenso artigo publicado esta terça-feira no New York Times. Como por exemplo Donald Stein, da Universidade Emory, para quem “as premissas subjacentes ao mapeamento da totalidade do cérebro são muito controversas”. Este neurocientista acha, por outro lado, que “a tecnologia deveria vir a seguir aos conceitos, e não o contrário”.
Entretanto, existe um projecto europeu que poderá ser visto como concorrente do norte-americano. Trata-se do Projecto Cérebro Humano, que visa simular o cérebro num supercomputador para perceber como funciona – e cujo financiamento foi aprovado em finais de Janeiro pela iniciativa Tecnologias Futuras e Emergentes da União Europeia. Este projecto, que reúne mais de cem equipas científicas (entre as quais duas da Fundação Champalimaud de Lisboa), deverá ter uma duração de dez anos, recebendo 54 milhões de euros durante os primeiros dois anos e meio e 100 milhões de euros por ano a seguir.
Questionado sobre o assunto, António Damásio respondeu-nos: “Globalmente, acho a abordagem [norte-americana] mais razoável do que a iniciativa europeia do cérebro (que em termos de investimento não é de facto muito diferente do Projecto Genoma Humano), que parte do princípio de que possuímos um conhecimento detalhado do cérebro que, pura e simplesmente, ainda não temos.”