A ideia perigosa da excelência

O último concurso para financiamento de projectos científicos teve uma novidade: a classificação de “excelente” deixou de ser o topo. Agora existem duas mais altas: “marcante” ou “notável” e “excepcional”. Tal inovação não passa de uma forma desonesta de mascarar a austeridade.

O discurso perigoso é outro, é o discurso de que só a excelência importa e de que tudo o resto se deve ir reduzindo à sua insignificância numa espécie de darwinismo social, que no limite só ficará com os melhores, o com o melhor, qual Duncan MacLeod, o Highlander da série que por cá passou como Os Imortais nos anos 90 do século passado.

No sistema científico nacional, nos concursos para financiamento de projectos, até há pouco tempo o nível mais alto de seriação era “excelente”, acompanhado de uma escala numérica, sendo, regra geral, os projectos “excelentes” recomendados para financiamento.

Em tempo de vacas magras, claro que a fasquia sobe e menos projectos são financiados, mas o último concurso teve uma novidade: a classificação de “excelente” deixou de ser o topo. Agora existem duas mais altas: “marcante” ou “notável” (outstanding no original em inglês) e “excepcional”. Um projecto “excelente” está agora longe da fasquia do financiamento, ficando a esperança de que tal epíteto sirva de palmadinha nas costas. Tal inovação não passa de uma forma desonesta de mascarar a austeridade, escudando-se quem decide na excepcionalidade dos eleitos que podem continuar a fazer ciência com o dinheiro de todos, quando do que se trata é de desinvestimento. Já são muito poucos, descansem os mais cépticos. A purga está a funcionar e daqui a poucos anos existirão muitos grupos de investigação sem projectos financiados, e que portanto não servem os fins para que foram criados, devendo fechar. Missão cumprida…

O problema será quando um aluno, também ele excepcional, tentar encontrar na sua universidade um grupo com o qual queira travar um primeiro contacto com a investigação e não conseguir. Não porque o que quer é demasiado específico, mas porque aquela área do conhecimento foi reduzida a um único super-mega-espectacular centro de investigação na outra ponta do país fora do seu alcance naquela fase da sua formação. Os seus professores deixaram de fazer investigação porque não eram “excepcionais” e certamente foi este aluno e os colegas quem mais perdeu com isso.

Combaterei sempre a promoção da mediocridade, na ciência, como noutra qualquer área, mas o que quero com este exemplo ilustrar é que, a partir de certos limites, a “excelência” ou a “exclusividade” são bem mais nocivas do que benéficas e não é só com estas elites que construímos o futuro. Algumas delas estão tão ocupadas nas suas redes de excelência que se esquecem de fazer escola, deixando um vazio na sua instituição quando o seu tempo físico acaba, muito mais difícil de colmatar do que se se tivesse apostado nalguma redundância e divisão de recursos.

Biólogo, professor auxiliar na Universidade Lusófona em Lisboa 
 
 
 
 

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