77 dias de erupção + 100 milhões de toneladas de lava = 45 milhões de euros de prejuízo
Após dois meses e meio, a última erupção do vulcão da ilha do Fogo foi dada por terminada no início de Fevereiro. Geólogo português relata esta quinta-feira, numa palestra no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa, a campanha que fez a esta erupção.
Em Dezembro, José Madeira partiu para uma expedição ao vulcão do Fogo, como aliás já tinha feito na erupção anterior, em 1995. É esta experiência em primeira mão que relata esta quinta-feira na palestra Missão Ilha do Fogo – A erupção de Novembro de 2014, no ciclo de Conferências Ciência Viva, às 19h30, no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa. Organizadas pela Ciência Viva – Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica, estas palestras de cientistas portugueses e estrangeiros, na última quinta-feira de cada mês, destinam-se a toda a gente e basta fazer a inscrição no site da Ciência Viva para ir lá assistir.
“De acordo com as observações dos colegas da Universidade de Cabo Verde, que acompanharam a erupção no terreno até ao seu final, as últimas emissões de lava ocorreram a 7 de Fevereiro, sob a forma de actividade explosiva já muito fraca”, informa José Madeira. “A actividade sísmica ainda se fez sentir até 20 de Fevereiro, mas sem qualquer emissão de produtos lávicos no intervalo entre 7 e 20 de Fevereiro. Portanto, a data de 7 de Fevereiro pode ser considerada como o final da erupção”, acrescenta. “As manifestações actuais encontram-se reduzidas a actividade fumarólica pouco intensa. Este é o processo normal após o final da actividade eruptiva.”
Em média, as erupções do vulcão do Fogo prolongam-se por dois meses, atendendo aos registos históricos. A erupção de 1995 também não fugiu a essa estatística, com uma duração de um mês e 24 dias. Desde meados do século XV, quando Cabo Verde foi descoberto e povoado, há registo de mais de duas dezenas de erupções. Algumas são referências lacónicas em livros de bordo de navios, por isso são muito mal conhecidas. A partir do século XVIII, os registos são mais completos, culminado com as erupções bem documentadas de 1951 – pelo geógrafo português Orlando Ribeiro – e de 1995.
“Os relatos escritos sugerem a ocorrência de 27 erupções em 515 anos, o que permite calcular um intervalo de recorrência de cerca de 20 anos. Isto faz do vulcão do Fogo um dos vulcões oceânicos mais activos do mundo”, assinala José Madeira.
Estrada destruída em 90 minutos
Que balanço pode fazer-se da última erupção? “Do ponto de vista vulcanológico, a erupção de 2014/2015 apresentou características em tudo semelhantes às das outras erupções estudadas cientificamente – de 1995 e 1951 – e provavelmente foi idêntica às que se desenrolaram desde o início do século XVIII. Mas o impacto socioeconómico foi muito superior", responde o geólogo.
O geofísico João Fonseca, do Instituto Superior Técnico, em Lisboa, que também se tinha deslocado à erupção de 1995, e desta vez teve elementos da sua equipa no terreno, faz o mesmo balanço em poucas palavras: “Foi uma pequena erupção com um grande impacto.”
A enumeração dos impactos socioeconómicos da erupção é que já é mais extensa – traduzindo-se, segundo o Governo de Cabo Verde, referido num artigo do jornal Expresso das Ilhas de 10 de Março, em prejuízos estimados em cerca de 45 milhões de euros.
Antes de mais, a equação dos prejuízos não é simples e tem de ter incluir as grandes mudanças ocorridas desde 1995 em Chã das Caldeiras, um enorme planalto dentro da caldeira do vulcão, a 1600 metros de altitude. Até então, viviam ali cerca de 650 pessoas. Por causa de actividades ligadas à vinha e à produção de vinho (num dos poucos locais em Cabo Verde onde isso é possível) e ao turismo, o planalto foi-se enchendo de gente. “Esse crescimento exponencial da população resultou da erupção anterior: a procura turística de Chã levou à construção de alojamentos turísticos e restaurantes e ao desenvolvimento da actividade de guias de montanha”, indica José Madeira.
Por isso, se a erupção de 1995 (que terá expelido mais ou menos a mesma quantidade de lava do que esta erupção) destruiu a estrada de entrada em Chã das Caldeiras, meia dúzia de casas e uma adega, desta vez os estragos foram maiores. Ninguém morreu nem ficou ferido, mas foi preciso desalojar as cerca de mil pessoas que viviam nas duas povoações de Chã das Caldeiras, Portela e Bangaeira. E ambas ficaram destruídas pela lava.
“A perda de terrenos agrícolas foi elevada – cerca de 20% da área cultivável da Chã das Caldeiras –, mas o impacto principal foi a destruição das casas de Portela e Bangaeira e infra-estruturas de apoio – a estrada, a escola, o posto de saúde”, refere João Fonseca. “Outro tipo de danos, como a destruição da adega, do hotel ou da sede do Parque Natural do Fogo, resultam já de falta de critério nos investimentos, porque eram claramente inadequados ao nível de risco existente”, critica o geofísico.
Aliás, a sede do Parque Natural do Fogo, um projecto do atelier de arquitectura português OTO, e que custou cerca de um milhão de euros, tinha sido inaugurada em Março de 2014. Poucos meses depois, a lava destruiu totalmente o edifício.
“Outro aspecto que carece de investigação é o eventual papel da estrada construída em 1996 – com um traçado pouco correcto por cortar as escoadas [de lava] do ano anterior – no encaminhamento da lava [da erupção de 2014/2015] para as povoações de Portela e Bangaeira”, aponta João Fonseca, a quem o governo cabo-verdiano tinha pedido em 1999 um parecer sobre actividades compatíveis com o risco de uma erupção em Chã das Caldeiras. “O traçado da estrada foi criticado na altura, por estar muito exposta a uma futura erupção. Em 2014, foi destruída 90 minutos após o início da erupção!”, frisa. “O parecer salientava que não deveriam ser construídas infra-estruturas de natureza industrial, apenas edifícios de habitação com opção de turismo familiar e infra-estruturas básicas de apoio à agricultura e pastorícia.”
Finda a erupção, está agora por resolver o realojamento das populações. O Governo cabo-verdiano tem falado em construir um bairro de raiz, mais afastado do perigo vulcânico. “A solução mais adequada seria a construção de alojamentos no exterior de Chã, embora próximo das suas entradas Norte e Sul, de modo a permitir que as pessoas continuassem as suas actividades económicas. Mas estou convencido de que esse objectivo será muito difícil.”