Sílvia, das cheias aos negócios com o Kuwait e Marrocos

Pernambucana teve empresa alagada pelas chuvas de 2022 em Lisboa, acumulando prejuízos de mais de 1 milhão de euros. Mas ela entregou todos os projetos acertados com os clientes e constrói nova sede.

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Sílvia Caetano
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A pernambucana Sílvia Caetano, 67 anos, não é de desistir fácil. Muito pelo contrário. Diante das dificuldades, transforma-se em uma fortaleza. No fim de 2022, com as chuvas torrenciais que atingiram Lisboa, viu a sede de sua empresa, a Light Design, ser engolida pelas enchentes. Foram dois os alagamentos em três dias, com tudo perdido. A força das águas foi tamanha, que a porta da frente do prédio, em Algés, saiu boiando.

“Foi um baque monumental. Perdemos tudo. No primeiro alagamento, era dia de Natal. Fizemos a nossa festa no meio da lama”, relembra Sílvia. Desde então, ela vem tentando superar os prejuízos de mais de 1 milhão de euros (R$ 6 milhões). “Apesar de todas as perdas, não deixamos de cumprir um contrato sequer, compramos novamente todos os materiais, pois os clientes não tinham culpa”, acrescenta ela, que atua no ramo da iluminação planejada. “Melhor, não demitimos um funcionário sequer”, emenda.

Todas as atividades da Light Design ainda estão sendo desenvolvidas em um co-working. A nova sede está sendo preparada e ficará em Miraflores. “O arquiteto Luís Rebelo de Andrade, um dos melhores de Portugal, me telefonou para saber como estávamos. Ele fez todo o projeto para o novo espaço, um projeto lindo. O gesto dele me emocionou muito”, afirma.

O baque provocado pelos alagamentos veio logo depois da pandemia do novo coronavírus. “Nossas atividades já estavam prejudicadas. Nesse período, fiquei presa no meu apartamento, sem poder receber os clientes. Tudo se acumulou e as receitas desabaram. Mas conseguimos nos recuperar logo, porque somos muito bons no que fazemos. E não será diferente agora”, destaca. A empresa de Sílvia tem nove funcionários.

Qualidade faz diferença

A musculatura para lidar com dificuldades e imprevistos foi sendo talhada ao longo de anos. “É preciso ressaltar que atuo em um mercado muito machista, o da construção civil. Mas isso não me inibe nem um pouco. O que importa é a qualidade dos nossos serviços, e disso eu não abro mão”, enfatiza Sílvia. “É isso que nos mantém, de pé: qualidade”, reforça.

Para dar a dimensão do trabalho que realiza, a empresária lista algumas de principais obras realizadas pela Light Design: a iluminação da Praça do Comércio, do edifício da EDP, do Quake — Museu do Terremoto em Lisboa e do Hotel Four Points by Sheraton, de Matosinhos. “São projetos icônicos, que reforçam a nossa capacidade de fazer bem tudo o que nos propomos”, diz

Sílvia começou a se movimentar em Portugal em janeiro de 2005. “Havia um nicho de mercado que nós podíamos desenvolver”, conta. “Fazíamos o pacote completo: o projeto e as instalações em todas as suas especificidades”, detalha. “Fomos desbravamos o mercado aos poucos, mas posso dizer que não foi fácil chegar até aqui”, complementa.

Curiosamente, não foi na área de iluminação predial que Silvia começou a vida profissional. Formada em direito pela Universidade Católica de Pernambuco, trabalhou na Secretaria de Justiça, na Vara de Execuções Penais, acompanhando os presos quando saiam da prisão. À época, era a única mulher a entrar na cadeia do Recife, capital do estado.

Pouco tempo depois, no entanto, a empresária chegou à conclusão de que aquele não era o trabalho que queria. Foi, então, fazer uma pós-graduação na Universidade de Sorbonne, na França, em economia cooperativa. Após a conclusão do curso, empregou-se no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), mas continuava sentindo que não era esse o seu caminho: “Eu não gostava do que fazia”, destaca.

Morte do irmão

Disposta a dar um novo rumo na vida, mudou-se de Recife para o Distrito Federal, onde cursou jornalismo na Universidade de Brasília (UnB). Formada, passou por importantes veículos de comunicação. Especializou-se em temas políticos, ao acompanhar o dia a dia do Parlamento e, claro, viu todo o processo de consolidação da democracia brasileira.

Quando foi demitida, nos anos de 1980, pegou todo o dinheiro da indenização trabalhista e abriu uma franquia da Light Design em Brasília. Anos depois, o fundador da empresa, Nils Ericson, decidiu que não queria continuar à frente da fábrica que abastecia a cadeia de lojas da marca. Silvia e o irmão, Marco, acabaram por comprar a empresa. “Eu cuidava do marketing, e ele, da produção”, conta.

A morte inesperada do irmão obrigou a empresária a se reinventar. “Eu não sabia nada sobre administrar uma fábrica. Além disso, quando eu cheguei para dirigir a empresa, houve uma reação do pessoal. Os trabalhadores faziam operação tartaruga, colocavam parafusos nas máquinas para parar a produção”, relembra.

Com a situação da fábrica em perigo, Sílvia decidiu chamar a responsabilidade para todos: “Juntei todo mundo do chão de fábrica e disse: quem quiser ficar, fica. Quem quiser, vá embora. Só uns dois funcionários optaram por sair. Houve até quem dissesse para eu não pagar o salário enquanto não equilibrasse as contas, o que eu nunca fiz. Sempre paguei todos em dia”, assegura.

Em 2005, a empresária abriu a primeira loja da Light Design na LX Factory, em Lisboa, que pretendia ser um espaço de inovação. A fábrica no Recife ficou aos cuidados do filho dela. Manuel. Em 2009, como a LX passou a se dedicar mais ao entretenimento, ela optou por mudar-se para um showroom em Algés.

Internacionalização

A entrada no mercado português foi difícil. “Os arquitetos portugueses estavam acostumados a trabalhar de outra forma. No Brasil, a cultura é mais próxima à dos Estados Unidos”, ressalta. “Não adiantava ir aos escritórios de arquitetura e apresentar o catálogo com produtos e exemplos de projetos. O catálogo acabava na prateleira com todos os outros, e o trabalho continuava a ser feito com os mesmos de sempre”, complementa.

O jeito, segundo Sílvia, foi inovar no marketing. Ela passou a organizar almoços com potenciais clientes e, no final, fazia a apresentação da empresa. “Perdi a conta de quantos almoços e jantares eu fiz”, diz. O crescimento da Light Design se deu por meio do boca-a-boca. “Uma pessoa via a iluminação da casa do amigo e dizia que queria algo parecido.”

A partir de Portugal, começou um processo de internacionalização com o aumento do reconhecimento internacional da arquitetura portuguesa. “Tenho projetos do Kuwait, em Marrocos, na França, na Arábia Saudita. Isso porque os arquitetos portugueses nos conhecem e nos chamam para fazer a iluminação. É para comemorar”, afirma.

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