Com duas sócias portuguesas, Beatriz ajuda nos processos de legalização

Com duas filhas, cearense comanda duas empresas em Lisboa e reforça que gestão 100% feminina foi decisão acertada para ampliar as operações no atendimento a imigrantes e investidores.

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Beatriz Sindrim
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Quando decidiu criar a consultoria Destinos Objetivos — Cidadania Europeia, a advogada Beatriz Sidrim, 37 anos, definiu que jamais faria qualquer mulher passar pelas dificuldades que ela enfrentou. Com duas filhas, havia sido rejeitada em várias entrevistas de emprego sob o argumento que não havia como ela conciliar os papéis de mãe e de profissional. “Foi uma recusa atrás da outra”, diz.

Muito do sucesso da empresa está calcado na decisão tomada por Beatriz. “Tenho duas sócias portuguesas e todas as sete funcionárias são mulheres. Nossa empresa é 100% feminina”, ressalta. São elas as responsáveis por atender, neste momento, mais de 1,2 mil clientes que buscam obter a cidadania portuguesa e de outros países da Europa.

“Somos uma empresa de mulheres solteiras, casadas, com bebês, divorciadas. Uma de minhas sócias tem uma filha de dois anos e, às vezes, faz reuniões internas com a criança no colo. A outra passa uma semana com os filhos, seguindo a guarda compartilhada com o ex-marido", detalha. “Nos tornamos um núcleo no qual descobrimos que é possível fazer muito sendo mulher, mãe de família, imigrante ou não imigrante”, afirma.

Desde que a Destinos Objetivos nasceu, há cinco anos, foram cerca de 2 mil processos concluídos. “Esse é um motivo de muito orgulho. Não tivemos, até hoje, nenhum processo de legalização ou de nacionalidade negado”, assinala Beatriz, que abriu uma segunda empresa, a Luso Bridge, voltada para a internacionalização de negócios.

“Tudo foi consequência do sucesso da Destinos Objetivos. As pessoas passaram a nos conhecer e a falar muito comigo por conta da nacionalidade, e muitos são empresários, médicos, construtores. Fomos ganhando a confiança deles e hoje auxiliamos muita gente a desbravar o mundo empresarial em Portugal. Há legislações bastante específicas para quem vem do Brasil interessado em empreender em território luso”, explica.

Idioma pesou

Beatriz está em Portugal desde 2018. Ainda muito jovem, em Fortaleza, no Ceará, apesar de todas as dúvidas inerentes à idade, optou por ser advogada, especializando-se em direito constitucional, com atuação nas áreas criminal e empresarial. Teve uma boa carreira em grandes escritórios instalados na capital cearense.

Havia, porém, um desejo latente que Beatriz não conseguia esconder. “Sempre tive muita vontade de morar fora do Brasil, de viver na Europa. Como fui mãe muito cedo, não fiz os intercâmbios que muitos conhecidos fizeram”, relembra. Quando, finalmente, decidiu desbravar um mundo novo, optou por Portugal, certo de que seria mais fácil para ela, mãe de duas meninas. “O idioma português ajudava muito”, pensou.

Com a mudança de país em mente, a cearense levantou a possibilidade de também mudar de área profissional. “Tinha um hobby, que era a culinária. Adorava cozinhar. Pensei em fazer desse hobby algo produtivo. Acreditava que, dificilmente, conseguiria trabalhar com direito no exterior. E fui fazer um curso profissionalizante. Em um ano, obtive o diploma de cozinheira profissional”, conta.

Aos 30 anos, Beatriz estava disposta a recomeçar por baixo para conseguir um lugar como cozinheira em Portugal. “Tinha a visão que as pessoas falavam, que tudo era muito difícil, que só dava para ir para o subemprego. Começaria servindo mesas”, afirma. Essa ideia não foi adiante. Ela decidiu insistir em buscar um lugar no ramo do direito.

Por ser uma mulher sozinha, com duas crianças, uma de 6, outra de 8 anos, as barreiras se agigantaram. “Me candidatei a vários cargos, usei as redes sociais, fui a entrevistas. Mas sempre me perguntavam: você tem filhos? E eu respondia: tenho, duas. Perguntavam se eu tinha família para dar apoio as minhas filhas e o que faria se elas ficassem doentes. Não consegui nada”, comenta.

Experiência de vida

Sem a opção de desistir, Beatriz optou por usar toda a experiência que estava vivendo para mudar de vida. “Eu mesma estava fazendo o meu processo de nacionalidade e conheci uma portuguesa que é pesquisadora e historiadora. Começamos a fazer pesquisas de documentos para quem queria obter a cidadania portuguesa. Fomos desenvolvendo um bom trabalho, que passou a nos dar retorno”, frisa.

As duas se juntaram a uma prima de Beatriz que trabalhava com turismo. “Fomos nos mexendo, comecei a atuar com advogados portugueses, fazendo a gestão de pedidos de nacionalidade e a coisa foi tomando uma grande proporção. Nesse momento, eu disse: dá para trabalhar com isso, vou cozinhar em casa, por hobby.”

O trabalho na área de legalização de imigrantes não é fácil, reconhece a advogada. E muito dos transtornos decorre, na avaliação dela, da desorganização do sistema português. “Uma das coisas que me chocam é um país que precisa tanto de mão de obra ter um excesso de burocracia e tantos entraves para legalizar os imigrantes. É de partir o coração vendo tanta gente sendo maltratada”, diz.

Esse aprendizado diário a ajuda a lidar com a discriminação que as filhas sofreram na escola. “Um dia, fui buscar as meninas no colégio, e um garoto me chamou e disse, que uma delas, a Sara, mente muito. Prontamente, perguntei o porquê. Ele respondeu que ela dizia que, na casa da tia dela no Brasil, tinha piscina. E acrescentou que não há piscinas em favelas. Então, eu falei: Mas quem disse que a tia dela mora na favela? E ele veio com outra pergunta: Há outro lugar para morar no Brasil que não seja uma favela?”, relata. O assunto foi encerrado.

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