O sabor baiano da Carol no coração de Lisboa dá lucro e gera empregos

Empresária que ajudou a popularizar o acarajé em terras lusitanas tem dois restaurantes na capital portuguesa e se prepara para abrir as portas no Porto, cidade que a acolheu quando deixou o Brasil.

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Carol do Acarajé ladeada pelas bandeiras dos dois clubes rivais: Bahia e Vitória Jair Rattner
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Quem entra no restaurante Acarajé da Carol, na Rua de Santa Marta, perto do Praça do Marquês de Pombal, encontra na parede uma frase que é um lema da casa: “Expande o teu axé”. São quatro salas, em que as cores buscam trazer um pouco da luz da Bahia.

Na sala onde fica o balcão em que são servidas as bebidas, há uma combinação que, em Salvador, daria briga. Lado a lado, as bandeiras dos clubes Bahia e Vitória. Da música aos pratos e à decoração, o restaurante procura ser um espaço da Bahia em Lisboa.

Esse é o segundo restaurante da baiana Carolina Brito, 42 anos, conhecida como Carol do Acarajé, que teve papel relevante na popularização das iguarias da terra em que ela nasceu. “Esta casa acaba de completar um ano. Tenho também um restaurante no Bairro Alto, mas este é maior, tem lugar para 30 pessoas”, fiz.

Carol mudou-se para Portugal com apenas 18 anos de idade. Veio, inicialmente, para o norte do país. “Cheguei em 2001. Quem me trouxe foi um casal português, que tem uma churrascaria em Vila Nova de Gaia. Lá, eu fazia muqueca, bobó de camarão, acarajé, para acompanhar o rodízio”, conta a empresária.

Foi um acaso que abriu o caminho para ela. “Eles me conheceram na praia de Itapuã, onde eu trabalhava na barraca meu pai. Ficaram por lá uma semana e gostaram tanto da comida que eu fazia que, no final, me convidaram para ir para o Porto”, relembra.

De uma família grande, Carol começou a cozinhar aos 8 anos. “Eram 14 filhos, e eu sou a mais nova. Minha mãe lavava roupa no Abaeté, roupa de ganho”, fala, em referência às lavadeiras que foram tema de enredo da escola de samba Viradouro, que ganhou o carnaval do Rio de Janeiro de 2020.

A tradição das lavadeiras do Abaeté vem desde o começo do século XIX, com escravas e libertas. As escravas entregavam a maior parte do dinheiro aos seus proprietários, mas podiam ficar com uma parte, o ganho. Várias economizavam e compravam a sua alforria.

Fama correu Portugal

Já no Porto, a qualidade da comida de Carol chamou tanto a atenção, que, em 2008, ela foi convidada pelo embaixador Celso de Sousa para preparar a comida para a recepção de 7 de setembro na embaixada do Brasil em Lisboa. Eram centenas de pessoas num evento formal, nos jardins da residência do diplomata. Ali mesmo ela recebeu o convite para se mudar para a capital portuguesa.

Não foi fácil tomar a decisão, mas a jovem decidiu arriscar e foi trabalhar no restaurante brasileiro Sabor Mineiro, que passou a incluir comida baiana no cardápio. Antes, trouxe uma irmã de Salvador, para não deixar a churrascaria no Porto sem ninguém. “Ela continua lá, há 16 anos”, frisa.

No novo restaurante, Carol tinha um dia livre na semana, a quinta-feira. Aproveitando a folga, ela passou a servir acarajé no bar da Casa do Brasil. Eram as Quintas do Acarajé. “Vinha gente de Braga, do Algarve, de tudo quanto era lugar para o Acarajé da Carol”, relembra.

Em 2017 ela deu um outro salto: abriu um pequeno restaurante na Rua da Rosa, no Bairro Alto. Tinha apenas dez lugares para os clientes se sentarem. “No começo, foi difícil. Não dava para ficar só no acarajé. Comecei a colocar mais pratos, muqueca, abará, bobó de camarão, caldinho de feijão”, lista. O sucesso foi geral.

Tanto que, em 2023, a empresária abriu o segundo restaurante, sempre com a preocupação de não perder características que sempre marcaram seus negócios. “Minha comida é afetiva. Dá para interagir com os clientes. Fica do jeito que minha mãinha me ensinou”, afirma.

Intolerância, não

Inicialmente, o primeiro restaurante era apenas um ponto de encontro de brasileiros com saudades da comida baiana. “Cerca de 80% dos clientes eram oriundos do Brasil e 10%, portugueses. Agora, os portugueses são mais 50%. Há dias que não tenho um brasileiro na sala”, assinala Carol.

O foco das duas casas é manter a tradição. “Eu poderia colocar outros pratos brasileiros, pão de queijo, pastéis. Mas faço comida de terreiro, sirvo em nagi e alguidar (peças de barro tradicionais da Bahia que mantêm a comida quente durante toda a refeição)”, descreve. A tradição também aparece na própria roupa de Carol. “Sempre me vesti de baiana”, destaca ela, com sua saia rodada e lenço amarrado na cabeça.

Outra marca importante que a empresária mantém é o caruru de São Cosme e Damião – os santos gêmeos venerados nas religiões afro-brasileiras. No dia 27 de setembro, todos os que forem aos restaurantes dela podem comer o caruru de graça. “Não importa o que eu gastar, não cobro nada. Associou aos erês”, conta, em referência às crianças, seres de luz do candomblé.

“Comecei essa comemoração com 5 quilos de quiabo para fazer o prato e, no ano passado, foram mais de 50 quilos. Reúno o pessoal, e tudo é cortado à mão”, explica. No total, ela ofereceu, no ano passado, no dia de São Cosme e Damião, mais de meia tonelada de comida. Tudo o que ela pede em troca é um quilo de alimento não perecível, depois doado a entidades de assistência aos desvalidos. “Conseguimos reunir quase meia tonelada de alimentos para doar. Havia uma fila de quase mil pessoas na porta”, lembra.

Mas as marcas da devoção à umbanda no restaurante geraram um dissabor. “Aconteceu um episódio em que fui vítima de intolerância religiosa. Uma pessoa colocou nas redes sociais do restaurante que a casa tinha mau ambiente, com simbolismo do diabo”, relata. A mensagem acabou por viralizar, mas centenas de clientes mandaram mensagens de apoio. “Serviu para me fortalecer,” avalia.

Sem medo, a empresária está preparando os próximos passos. A meta é expandir o negócio para o Norte de Portugal. “Sonho em ter um Acarajé no Porto. Eu amo o Porto”, afirma. No total, Carol emprega 15 pessoas nos dois restaurantes, todos regularizados junto à Segurança Social.

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