Donas do próprio negócio. Como algumas mulheres brasileiras buscam uma vida melhor

Mulheres estão à frente de muitos negócios em Portugal, mas boa parte delas atua na informalidade, sem o devido conhecimento para tornar o empreendimento rentável

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Alguns negócios iniciados funcionam somente aos fins de semana ou horas vagas Eric Gaillard
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O crescimento da imigração brasileira em Portugal trouxe um fenômeno que está mexendo com a realidade empresarial portuguesa: o empreendedorismo feminino. São mulheres que, independentemente do nível de renda, são donas do próprio negócio, ainda que vários deles funcionem somente nos fins de semana ou nas horas vagas.

Não há dados oficiais a respeito do número de empreendedoras brasileiras em Portugal. Mas, segundo Nilzete Pacheco, que, por 17 anos, foi dirigente da Associação Lusofonia, Cultura e Cidadania (ALCC), instituição voltada para o apoio a imigrantes, por mês, cerca de 600 pessoas pedem ajuda para empreender. Delas, aproximadamente 80% são mulheres.

“Dessas 600 pessoas que batem à porta todo mês da ALCC, talvez 80% sejam mulheres. A mulher vai à luta mais do que o homem, não tem medo de enfrentar a vida para cuidar da família. A mulher não tem vergonha de fracassar, tem um ou dois trabalhos, mas não deixa de pedir ajuda. A mulher quer melhorar de vida, e se esforça para isso”, diz Nilzete.

As mulheres são maioria entre os imigrantes brasileiros que vivem em Portugal. Pelos cálculos de Catarina Reis de Oliveira, diretora do Observatório das Migrações, elas representam 60% dos cidadãos do Brasil que cruzaram o Atlântico. “É uma característica diferente das outras nacionalidades”, assinala.

Catarina ressalta que o rosto mais feminino da população imigrante brasileira se consolidou, sobretudo, a partir da virada para o século 21. “Isso não acontece com a imigração mais recente dos asiáticos, em que temos cerca de 70% dos cidadãos do sexo masculino”, compara.

População mais feminina

Apesar da presença feminina cada vez maior no empreendedorismo, os brasileiros ainda são superados pelos asiáticos entre os detentores de negócios em Portugal: 42% dos chineses vivendo em terras lusitanas são empreendedores estrangeiros, ante 11,5% dos brasileiros. Esses números, porém, são de 2021, e, poderão ter mudado nos anos que se seguiram, devido ao novo perfil dos cidadãos que deixaram o Brasil.

Entre os empreendedores estrangeiros em Portugal, no entanto, os brasileiros são os que mais contratam imigrantes — quase três (26,7%) em cada 10, frisa o Observatório das Migrações. Dos mais de 10 mil negócios detidos por brasileiros em território luso, 20,4% são da área da construção; 18,1% de alojamento, restaurantes e similares; 14,1% do comércio e de reparação de veículos; e 9,5% de atividades de saúde humana e apoio social. “No comércio, incluem-se cabeleireiros, manicures, venda de roupa, lingerie e outras coisas”, explica Catarina.

Para Nilzete Pacheco, “as mulheres são mais empreendedoras, e os homens, empresários”. Na prática, a diferença está no fato de o empreendedor ser qualquer pessoa que toma a iniciativa de conseguir uma fonte extra de rendimento. O empresário é o empreendedor que formaliza legalmente a iniciativa, recolhendo impostos e contribuições para a Segurança Social.

“Diante dos atendimentos feitos pela ALCC, creio que 20% das mulheres dediquem 100% do seu tempo ao próprio negócio. Perto de 50% são empreendedoras de fim de semana e as outras, informais, que vão fazendo as coisas fora do seu horário de trabalho, que não chegam a criar uma empresa”, explica.

Cuidados especiais

Nilzete, que também é empreendedora, chegou em Portugal em 1995 e, três anos depois, ajudou a organizar a ALCC, onde ficou até 2017. Atualmente, trabalha no apoio a empresários brasileiros que pretendem se instalar em Portugal. Nos anos em que esteve na ALCC, viu as fragilidades apresentadas pelas mulheres brasileiras empreendedoras.

“Muitas abrem o empreendimento sem saber o que é necessário para isso. No caso de uma loja, por exemplo, elas não têm dívidas, mas não se atentam para as despesas mensais, com a Segurança Social, com o contador. Já peguei tantos casos em que elas abrem as empresas e, depois, acabam por ter problemas. Só aí é que vão buscar informação”, afirma.

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Nilzete Pacheco considera que há mulheres brasileiras que querem abrir o próprio negócio sem saber o que é preciso

A hora da verdade é sempre o final do ano, quando as empreendedoras têm de apresentar as contas gerais, incluindo os gastos com empregados. “Por isso, é preciso planejamento, um plano de negócios, buscar informações confiáveis”, reforça Nilzete.

“Houve o caso de uma empreendedora que abriu uma empresa para cuidar de idosos. Mas ela não tinha licença da Segurança Social para cuidar de idosos. Perguntei se tinha formação nessa área, e ela disse que não. O resultado foi que ela teve de fechar o negócio porque, em Portugal, é preciso licença para tudo. Ela veio do Brasil com muita boa vontade, mas, no outro país, teve problemas”, relembra.

Um outro fenômeno observado por Nilzete está no que ela chama de alimentação gourmet, em que a maioria é informal. “Há empreendedoras que têm bons negócios, mas não têm uma loja aberta. Vendem para buffets, trabalham com festas, mas não conseguem ter portas abertas”, diz. “Montar uma cozinha de trabalho não é barato, pois é obrigatório que seja refratária. Há muitos casos em que uma pessoa tem uma cozinha e aluga por hora para outras pessoas. De cada 10 mulheres que fazem trabalhos em cozinhas partilhadas, talvez duas tenham uma empresa”, completa.

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