“O estatuto de vítima é positivo, se for tida em conta a vontade da criança”
Para Thaysa Viegas, psicóloga clínica doutorada em Psicologia da Família, o estatuto de vítima deveria servir para a criança poder recusar estar com a pessoa que agrediu o outro progenitor.
No seu consultório em Palmela, a psicóloga Thaysa Viegas, doutorada em Psicologia da Família, recebe crianças e jovens que crescem ou cresceram em contexto de violência. E não encontra razões para dizer que muito mudou com a figura do estatuto de vítima para a criança.
“É sempre importante termos a salvaguarda legal de um estatuto de vítima para a criança” aprovado antes mesmo de o crime de violência doméstica entre os pais da criança estar provado em tribunal. “Mas na minha prática clínica são muito poucas as situações em que a criança, por ter o estatuto de vítima, é protegida, por exemplo, no sentido de não ser obrigada a ter contactos com o progenitor ou a progenitora que era agressor”, diz. “Eu diria que o estatuto é positivo, se for tida em conta a vontade da criança.”
“Quando um tribunal está a decidir a regulação das responsabilidades parentais, tem de ter em conta a relação que a criança – aquela criança – tem com o pai e com a mãe. Não é uma coisa que possa ser legislada.” E detalha: “Eu tenho de decidir tendo em conta as características daquela criança e o que ela viveu, sabendo quais são as suas figuras de referência. Na grande maioria das vezes, isso não acontece”, diz Thaysa Viegas.
A psicóloga, por vezes chamada a tribunal para testemunhar em casos tutelares cíveis, diz que, mesmo perante uma condenação num tribunal criminal, “muitas vezes, da parte do tribunal de família, há pressão para uma residência alternada”. Continua a haver falha de comunicação entre tribunais, prossegue. “Uma condenação tem de ser reportada ao Tribunal de Família e Menores.” E não é? “Nos casos de que eu tenho conhecimento, são coisas que se arrastam por muito tempo.”
Sem troca de informação “em tempo útil”
Margarida Santos, professora na Escola de Direito da Universidade do Minho, diz que, embora a alteração legislativa de 2021 preveja uma comunicação obrigatória entre tribunais, a grande questão é que “nem sempre há uma interacção em tempo útil”. As decisões da regulação das responsabilidades parentais podem assim ser tomadas sem conhecimento, em tempo útil, das decisões criminais.
Passados três anos das alterações que reforçaram a figura de vítima para a criança exposta, ainda não é certo para que lado vão pender as decisões judiciais nestas situações. “No Direito Penal, sendo a violência doméstica um crime doloso, é preciso demonstrar que houve intenção de praticar estes maus tratos [à criança que assiste]. Quando falamos da exposição e precisamos de demonstrar que o agressor ou a agressora tinha também a intenção de colocar em causa o desenvolvimento da criança, no Direito Penal, isto acaba por ser um desafio.”
Outra questão tem que ver com o dano, explica a professora de Direito. “Muitas vezes é difícil numa análise pericial avaliar, neste momento, o dano que esta criança pode vir a ter com a prática de maus tratos de um dos progenitores sobre o outro. Mas o que a psicologia tem sublinhado é que o impacto pode não ser visível neste momento, mas sê-lo a longo prazo”, conclui a académica.
Para os que cresceram e são hoje adultos, essa vivência é, por regra, recalcada, completa a psicóloga doutorada Thaysa Viegas. “Cresceram numa altura em que isso era desvalorizado. Haver gritos, empurrões, violência verbal eram coisas normalizadas”, acrescenta. E sofrem por isso, enquanto adultos.
A especialista deixa um aviso: “Os dados mostram que as mulheres são muito mais vítimas de violência doméstica. Mas há muitas mulheres agressoras. O que acontece é que com o preconceito ainda existente, os homens são incentivados a não avançar com as queixas.”