Marta Temido: “Está instalado um ambiente de suspeição” em relação aos políticos

A ex-ministra da Saúde diz que Costa não tinha alternativa senão demitir-se e mantém a porta aberta a ser candidata à Câmara de Lisboa em 2025

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Marta Temido , ex-ministra da Saude e actual deputada do PS Nuno Ferreira Santos
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Marta Temido diz que o país passa por um momento que "não é feliz", garante que PS vai viabilizar orçamentos de Carlos Moedas em Lisboa para que este não tenha pretextos para se vitimizar e confirma disponibilidade para ser candidata à câmara da capital nas eleições autárquicas de 2025.

António Costa precipitou-se ao apresentar a demissão ou não havia mesmo condições para continuar?
Não havia mesmo condições para tomar outra decisão. António Costa não tinha alternativa a não ser tomar a decisão que corajosamente tomou. É a atitude que eu esperava do meu primeiro-ministro.

Foi derrubado por um parágrafo da PGR? Não partilha dessa perspectiva?
Não. Muita coisa se poderia dizer sobre o processo, mas penso que não é chegado ainda o tempo. Exige-se a todos uma enorme prudência e contenção na utilização das palavras. Este é o tempo de aguardar com a serenidade possível.

Faz parte daquele lote de personalidades do PS que acha que a procuradora-geral da República devia dar mais explicações sobre este caso?
Não faço juízos de valor sobre a conduta de outras entidades e de outras instituições. Penso sinceramente que o Ministério Público tem de ter o espaço para fazer o seu trabalho. Embora gostássemos todos que este caso tivesse um esclarecimento breve e célere, percebemos que a complexidade de algumas investigações tem os seus tempos. Pressionar ou criar um ambiente de pressão sobre quem quer que seja é, neste momento, desajustado.

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Helena Pereira,Susana Madureira Martins (Renascença)

É um ambiente de pressão que já está criado, com as declarações como as de Augusto Santos Silva e outros dirigentes ou outras personalidades do PS?
Cada actor faz uma intervenção no contexto de uma determinada conversa. E muitas vezes as declarações extrapoladas têm uma leitura que não é a mais correcta.

E agora sem António Costa há dois candidatos à liderança do Partido Socialista. Quem apoia como militante do PS? Pedro Nuno Santos ou José Luís Carneiro?
Não vou prestar apoio público a nenhum dos candidatos. Conheço bem os dois. Trabalhei quer com Pedro Nuno Santos, quer com José Luís Carneiro. Se existe liberdade dos militantes para expressarem o seu apoio público a um determinado candidato, também deve existir a liberdade de não o fazerem. Entendo que o meu apoio poderia condicionar os meus camaradas, tenho uma responsabilidade como presidente da concelhia do PS. De facto, não me revejo no contar espingardas. Talvez tenha que ver com o facto de eu ter chegado muito recentemente às lides políticas.

Também vai ter dificuldade de escolher no momento de votar?
Não vou ter dificuldade de escolher, sobretudo depois de conhecer os programas, as moções políticas.

Revê-se mais numa ala de esquerda do PS ou numa ala dita mais moderada?
Evidentemente, o meu percurso também tem uma ligação a uma ala mais esquerda do Partido Socialista. Contudo, penso que o PS é um partido de síntese também, ou seja, que tem na pluralidade dos seus militantes a capacidade de encontrar riqueza e não de anular uns sobre outros. Revejo-me muito numa linha de síntese e de equilíbrio entre essas perspectivas, nalguns temas mais moderadas, noutros temas ditos mais de esquerda.

O seu nome também costuma vir à baila quando se fala em preencher certos cargos, o da liderança do PS é um deles. Não foi desta, mas não descarta essa hipótese no futuro?
Com alguma mágoa daquilo que têm sido os dias recentes da política, penso que essa é uma realidade cada vez menos provável. Aqueles que, como eu, são recém-chegados à política e um pouco pára-quedistas sentem cada vez menos essa disponibilidade.

Mágoa porquê?
Tem que ver com um certo ambiente que está instalado, de malaise, de mal-estar, muito polarizado, de muita agressividade, que me parece tudo menos saudável. Com o crescimento de algumas forças políticas que entendo que devemos combater veementemente, mas que levam a que todos nós tenhamos reacções mais exacerbadas, menos ponderadas, menos de Estado. E acho que isso contribui para afastar as pessoas da política. Afasta certamente os cidadãos, mas também afasta as próprias pessoas que se dedicam à política.

Um ambiente de caça a líderes políticos, por exemplo?
Um ambiente de suspeição.

As eleições autárquicas são em 2025 e já admitiu que gostava de ser autarca. Até lá, o seu desencantamento com a política poderá melhorar?
Por natureza, cultivo a esperança e alguma capacidade de sonhar e acreditar nas coisas. O facto de este ser o momento em que confesso uma certa mágoa não quer dizer que depois não se consiga lidar com essa mágoa e continuar.

Então não afasta a possibilidade?
Feita esta referência sobre aquilo que é um momento actual, que não é um momento feliz, não quer dizer que não esteja disponível para os combates que sejam necessários. Relativamente à Câmara de Lisboa, cada coisa a seu tempo. Se o PS precisar de mim para combates, a seu tempo veremos. Seguramente que cá estarei para os enfrentar.

Em relação à liderança do Partido Socialista, para já não, mas para a frente é admissível essa hipótese?
Alguém dizia que em política não é possível dizer nunca. Mas que é algo que está completamente fora dos meus horizontes, sem dúvida nenhuma.

Quer ficar equidistante dos dois candidatos principais à liderança do PS para salvaguardar mais capacidade de manobra para ser candidata à Câmara de Lisboa?
Não, não tem nada que ver com isso. Rigorosamente nada.

Sobre Lisboa, o presidente da câmara já apresentou o orçamento municipal e disse que é quase impossível a oposição votar contra. O PS vai voltar a abster-se?
O orçamento vai ser discutido amanhã e seria prematuro [avançar com] uma informação definitiva. Contudo, há aspectos [do orçamento] que são preocupantes. Em qualquer caso, neste momento, há um executivo que tem a gestão da câmara e que faz determinadas escolhas políticas em que nós não nos revemos. O que é isso de um Estado social local?

O PS tem viabilizado ao longo destes últimos anos o orçamento municipal. Essa linha vai continuar?
Porque entende devolver a responsabilidade a quem os lisboetas entenderam escolher para liderar a cidade.

Não quer dar razões a Carlos Moedas para se vitimizar ou para dizer que está a ser bloqueado?
As regras da democracia exigem que se respeite os partidos que têm responsabilidades de poder. Obstaculizar a uma governação não me parece que seja a melhor forma de dizer que ela não é eficaz. Muito pelo contrário.

Ainda não será desta que o PS votará contra este orçamento municipal?
Provavelmente não, na medida em que tem esta postura de responsabilidade e na medida em que houve também um conjunto de aspectos que foram suscitados e que serão agora discutidos, que parecem encaminhar, se não para uma concordância com este orçamento, mas para uma percepção de que foi este executivo que os lisboetas escolheram.

Se houvesse uma crise, isso seria aproveitado pelo PSD?
Acho que as pessoas não entenderiam. Sabemos muito bem qual foi a reacção dos portugueses quando se chumbou o Orçamento do Estado de 2022. Não saber ler aquilo que as pessoas esperam como adequado é um erro.

Carlos Moedas comemorou neste sábado o 25 de Novembro nos Paços do Concelho. O PS esteve representado apenas pelo líder socialista na Assembleia Municipal. Não houve articulação ou não foi consensual dentro do PS?
Foi a representação considerada adequada. É evidente que há incómodo não com a comemoração da data do 25 de Novembro, contudo, há quem tenha intenção de utilizar datas, efemérides, figuras para fazer uma releitura da história e para impor um modelo que me parece que os portugueses não escolheram, ou porque pensam que os outros são patetas. Comemorar o 25 Novembro antes de comemorar o 25 de Abril dá um sinal que ninguém entenderia.

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