Árvores monumentais: as histórias de três gigantes verdes de Portugal
As árvores monumentais são árvores imponentes, que contam muitos anos e são verdadeiros marcos da paisagem.
Mas o que distingue uma árvore monumental, além da sua idade? É a sua “vida social”:
As relações que estabelecem com o meio, seja populações humanas ou outros seres vivos à sua volta.
Qual foi a última vez que parou para contemplar uma árvore centenária?
Neste dia da árvore e das florestas, visitamos três árvores monumentais para conhecer estas relações
Qual foi a última vez que parou para contemplar uma árvore centenária? Neste Dia da Árvore e das Florestas, o Azul foi visitar três Quercus monumentais, desvendando a “vida social” destas árvores.
As árvores centenárias são, por norma, gigantes monumentais que sobressaem na paisagem. Expandindo-se em anéis por cada um dos seus muitos anos de vida, são estruturas que se tornam indissociáveis dos territórios que ocupam.
O que distingue estas árvores, para além do tamanho? A sua “vida social”, chamemos-lhe assim: as relações que as populações humanas estabelecem com estas árvores, integrando-as na memória colectiva, mas também os micro-habitats que acolhem nos seus ramos, pequenos universos onde a vida é abundante.
Escolhemos visitar três destas árvores monumentais. Três Quercus — um sobreiro, um carvalho-cerquinho e um carvalho-alvarinho —, árvores autóctones que são também símbolo da resiliência do território às alterações climáticas. Acompanha-nos nesta volta o biólogo João Gonçalo Soutinho, fundador da Verde - Associação para a Conservação Integrada da Natureza e apaixonado por árvores, que nos vai mostrando os pormenores de cada uma das árvores que visitamos: a vida que brota delas e a vida que existe por causa delas.
Passámos também a chamar estas árvores de grande porte “gigantes verdes”, alcunha que João Soutinho criou com os orientadores do mestrado em Ecologia e Gestão Ambiental, a propósito de um projecto apoiado pela autarquia de Lousada (onde reside), para referir as árvores com um perímetro de mais de metro e meio à altura do peito, ou seja, tão grandes que uma pessoa adulta já não lhes consegue dar um abraço. São árvores grandes, descreve-nos, e “com muita vida, muito carbono, muitos serviços de ecossistemas e muita história”.
Duas destas são árvores protegidas através da classificação como árvore de interesse público — por todo o país, há pouco mais de 500 árvores ou conjuntos arbóreos reconhecidos como “monumentos vivos” —, outra está a fazer o seu caminho de avaliação pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Uma já foi eleita Árvore do Ano em Portugal — e até venceu o concurso europeu —, outra já teve várias candidaturas ao concurso organizado pela União da Floresta Mediterrânica (Unac). Todas, sem excepção, têm comunidades à sua volta que zelam para que ainda possam viver durante longos anos, acolhendo os seus valiosos micro-habitats.
Depois de olhar para estes seres, é impossível deixar de notar a vida que existe à volta das árvores do nosso dia-a-dia. Que tal ler este texto no jardim mais próximo de casa ou do seu trabalho?
Sobreiro Assobiador, Águas de Moura (Palmela)
Sobreiro (Quercus suber L.)
240 anos
Altura: 16,20m
Perímetro à altura do peito: 4,15m
Largura da copa: 29,30m
Se cada árvore compõe a própria melodia em seu redor, a canção do Sobreiro Monumental de Águas de Moura, em Marateca, concelho de Palmela, enche-se dos passarinhos que habitam a sua copa e do agitar das folhas afagadas pelo vento (além do trânsito da N5, ao fundo). É desta afinação natural, aliás, que lhe vem o nome de “assobiador”. Com a sua copa majestosa, de quase 30 metros de largura, a árvore surge isolada na relva, protegida por pilaretes; faz-lhe companhia um parque infantil construído mesmo ao lado, e um estacionamento onde a câmara municipal instalou um posto de carregamento rápido para carros eléctricos.
As placas que indicam o caminho mencionam o “Sobreiro Monumental”: um sobreiro de copa muito aberta — “quase uma cúpula”, descreve João Soutinho — em que os ramos quase tocam no chão. É a árvore mais jovem do nosso passeio. Estima-se que tenha sido plantada em 1783, sendo descortiçada mais de 20 vezes ao longo dos anos. Depois do último descortiçamento, em 1991, quando produziu 1200 quilos de cortiça, deixaram a sua casca em paz. É tão larga que são precisas quatro pessoas para dar um abraço sem a apertar.
Na linguagem das árvores, envelhecer significa acumular vida, dentro de si e à sua volta. O Sobreiro Assobiador é uma árvore visivelmente antiga — e, em princípio, quanto maior for a dimensão de uma árvore, mais micro-habitats tem. “Quanto maior for, mais velha é, por isso terá tido a oportunidade de passar por mais eventos que levaram a ter estruturas que suportem a biodiversidade”, explica o biólogo João Gonçalo Soutinho. Neste quesito, as árvores autóctones estão em vantagem, tendo em conta que são mais conhecidas dos animais que habitam os territórios, desde os insectos que exploram o seu tronco até aos pássaros que ali escolhem construir os seus ninhos.
Além disso, “são claramente arquivos daquilo que foi a história desta região”: cada um dos anéis do seu tronco “vai registando os níveis de carbono que existiam na atmosfera em cada momento”, explica o biólogo.
“O sobreiro é um ícone da floresta portuguesa”, nota Fernanda Pésinho, vereadora do ambiente da Câmara Municipal de Palmela, sublinhando a ligação da espécie ao território. “Por ser a espécie mais resistente ao fogo, tem maior capacidade de resiliência aos fenómenos das alterações climáticas”, elenca a vereadora. Além disso, “libertam oxigénio e são um sorvedouro de CO2, e têm um importante papel também na regularização do ciclo hidrológico”.
Fernanda Pésinho, que integra a equipa autárquica pel’Os Verdes, é também responsável pela vereação do urbanismo, mobilidade, eficiência energética ou resíduos urbanos do concelho de Palmela, que tem mais de 260 quilómetros quadrados de área, localizado “em pleno Parque Natural da Arrábida”.
No desenvolvimento do plano local de adaptação às alterações climáticas estão projectos, por exemplo, para a freguesia de Pinhal Novo, “muito populacional, muito urbana”, que está sujeita a fenómenos de ondas de calor e de seca meteorológica extrema. As árvores têm aqui um papel essencial: através do projecto “Pinhal Novo Verde”, a autarquia pretende plantar floresta autóctone em espaços essenciais, como o Mercado Municipal de Pinhal Novo, onde “não existem espaços de sombra”.
A vereadora conta que, para o futuro próximo, já está em andamento a criação de um centro interpretativo mesmo ao lado do Sobreiro Assobiador, que dê destaque à árvore e também à importância do montado, “não apenas pela história e ligação à localidade, mas também para a economia do país e para a economia local”.
Para já, continua a envolver-se a comunidade escolar em actividades no local e iniciativas para plantar “sobreiros e outras espécies para conviver” com a árvore monumental. A eleição do Sobreiro Assobiador como árvore portuguesa do ano, em 2018, espoletou “todo um processo de divulgação e a auto-estima que foi crescendo dentro da população do concelho e nomeadamente aqui da aldeia de Águas de Moura”.
Se, noutros tempos, o Sobreiro Assobiador foi local para grandes festividades e celebrações, nos dias que correm as raízes da árvore não aguentam tanto movimento. “Actualmente, a ligação é mais de contemplação”, explica Fernanda Pésinho. “Vamos lá fazer com que ela tenha mais outros 240 anos de futuro.”
Carvalho do Padre Zé, Reguengo do Fetal (Batalha)
Carvalho-cerquinho (Quercus faginea)
Cerca de 460 anos
Altura: 21m
Perímetro à altura do peito: 6,05m
Largura da copa: 33m
A primeira vez que viu o Carvalho do Padre Zé, uma monumental árvore de cerca de 460 anos, a bióloga Maria Soares ficou impressionada. “Bate um pouco aqui dentro quando olhamos para uma árvore desta dimensão, percebemos tudo o que ela já viveu e percebemos que a forma como olhamos para a natureza pode mudar toda uma história. E foi o que aconteceu aqui”, descreve.
Maria conheceu o Carvalho do Padre Zé através do trabalho do grupo local Aves da Batalha, mas esta árvore faz parte da história da localidade desde sempre. Era um dos sítios de eleição “da malta nova”, sobretudo no Verão, explica Fernando Lucas, presidente da Junta de Freguesia de Reguengo do Fetal. O autarca conta que no dia em que recebeu a visita do ICNF para avaliar a árvore foi também visitar a mãe, que completava 94 anos e recordava a árvore com carinho. “O Carvalho do Padre Zé! Olha, lembro-me quando era miúda ir para lá com a menina Deolinda.” Com a catequista, contava a mãe de Fernando Lucas, as crianças vinham fazer passeios e piqueniques junto ao grande carvalho, “conhecido e estimado na nossa zona”.
A história da árvore (e do nome que lhe foi dado) voltou a tornar-se conhecida da população quando, há cerca de 15 anos, se organizou um percurso pedestre para conhecer as árvores da zona. António Neto, residente na freguesia de Reguengo do Fetal, conta que, na altura, o historiador Manuel Poças das Neves confirmou a história que se contava sobre o Carvalho do Padre Zé: durante a Segunda Guerra Mundial, havia próximo deste um outro carvalho, “que na altura era ainda maior”.
Os proprietários do terreno abateram esse grande carvalho vizinho para o transformar em carvão. Apercebendo-se de que os donos se preparavam para fazer o mesmo a esta árvore, o padre José do Espírito Santo, pároco da aldeia, negociou com os proprietários e adquiriu o carvalho, pagando o equivalente ao valor do carvão que seria produzido com o derrube da árvore. “O carvalho está preservado porque o pároco teve a visão ecologista de preservar uma árvore, que neste momento tem esta dimensão, é um carvalho monumental”, remata António Neto.
Uma história que “toca especialmente” Maria Soares: “Vejo aqui uma grande valorização da natureza”, diz. “Esta árvore tinha uma ‘irmã’ que foi vista como um grande valor, foi transformada em energia, para carvão. E alguém percebeu que este carvalho tinha mais valor ainda se continuasse de pé.” Para a bióloga, “contar a sua história é contar a história da natureza”.
João Gonçalo considera que “este é mesmo um caso raro”, já que nesta região raramente se encontram exemplares desta espécie com “dimensões sequer parecidas”. Com “ramos enormes, altamente retorcidos”, a casca do Carvalho do Padre Zé tem várias fendas, que João prefere referir como “muitas zonas onde muitos seres vivos podem esconder-se”, desde pequenas cavidades por onde se esgueiram escaravelhos até orifícios onde cabem morcegos ou até cobras, assim como os buracos dos ninhos de pica-pau.
E, apesar da idade, a árvore continua “cheia de vida”. Num dos lugares onde se vê uma “ferida” resultante da última poda, nota-se que a casca começa a tapar a fenda: “Continua a crescer e, a cada ano que passa, cria um novo anel que começa a fechar-se, se calhar daqui a uns 20 anos já não se vê ferida nenhuma”, explica o biólogo.
Como será a nova vida do Carvalho do Padre Zé a partir daqui? “Vamos tentar dinamizar este espaço, trazer aqui actividades de natureza”, conta Maria Soares. No dia anterior, uma observação de orquídeas selvagens também fez uma paragem no carvalho. Para preservar a árvore, será importante proteger as raízes e evitar o acesso a esta zona por carros. Para o morador António Neto, podia fazer-se um parque de merendas — utilização que o espaço já tem, informalmente. Mas tudo com moderação.
A junta de freguesia já avançou com o processo de classificação como árvore de interesse público, depois de adquirir parcialmente a titularidade do terreno. O passo seguinte é candidatar o Carvalho do Padre Zé a árvore do ano. “Achamos que faz todo sentido. Queremos que esta árvore saia deste contexto local e passe a ser conhecida, que possa ser um verdadeiro embaixador, um emblema nacional.”
Participar no concurso de árvore do ano “podia ser uma mais-valia para dar a conhecer a espécie, para dar a conhecer todas estas histórias sobre as nossas árvores, que temos aqui e que ainda precisam da nossa atenção”. Porquê proteger as árvores desta forma? “Estamos numa fase sensível para o mundo e temos aqui uma guerreira, um embaixador de uma espécie, de um clima, de tudo um pouco.”
Dar a conhecer esta árvore é o primeiro passo para que ela seja protegida, considera Maria Soares. “Essa protecção não vai depender só do estatuto, vai depender do carinho das pessoas — e é isso que nós queremos trabalhar.”
Carvalho de Calvos, Póvoa de Lanhoso
Carvalho-alvarinho (Quercus robur)
510 anos
Altura: 30m
Perímetro à altura do peito: 7,60m
Largura da copa: 35m
O Carvalho de Calvos é uma ode à imaginação da natureza para se reinventar, com o seu tronco retorcido, os ramos grossos e imensa vida a brotar em cada canto. “A verdade é que a árvore está viva, está cheia de energia. É a primeira árvore a dar os sinais da Primavera”, conta Filipa Araújo, técnica ambiental no Centro de Interpretação do Carvalho de Calvos.
Filipa é natural da Póvoa de Lanhoso e recorda-se de fazer piqueniques com a escola primária e sentar-se à volta da árvore. “Há aqui uma energia, não é? Um silêncio, uma paz que esta árvore nos transmite. Acho que é transversal a todas as pessoas que se aproximam... Podemos ser mais sensíveis a estas questões da natureza, podemos não ser, mas a verdade é que qualquer um de nós sente esta paz, esta energia desta árvore.”
“É um carvalho velhote, não?” Não se conhece a idade certa, devido à degradação do tronco, mas terá mais de 500 anos. “Com esta idade, segundo dizem, é o carvalho-alvarinho mais velho da Península Ibérica e o segundo mais velho da Europa”, diz Filipa Araújo. Classificado desde 1997 como árvore de interesse público, já muito antes o espaço circundante era frequentado pelas pessoas da região, para brincadeiras de crianças, piqueniques em família ou mesmo, conta-se, para “rituais de fertilidade” (Filipa, que trabalha aqui há seis anos, “nunca viu nada”), tratando-se de uma árvore “que tem muito poder, muito grande, com características únicas”.
Em 2000, foi criado o parque de lazer em volta do Carvalho de Calvos, o que também contribuiu para que a população se aproximasse da árvore. “Trabalhamos muito a sensibilização, e dar a conhecer e preservar o carvalho.” A área do parque, com cerca de três hectares, tem certificação em produção biológica — “nada de químicos” — e inclui uma horta comunitária que atrai a vizinhança.
O carvalho-alvarinho é uma espécie com um “especial papel de suporte de biodiversidade”, explica o biólogo João Soutinho. E este Carvalho de Calvos, explica, tem “muitos, muitos, muitos micro-habitats”. Na casca áspera, desvendam-se fendas por onde passaram insectos, como a vaca-loura (Lucanus cervus), o maior escaravelho que temos em Portugal, que procura sempre árvores de grande porte. É, digamos assim, o insecto de estimação de João Gonçalo, que foi um dos criadores do projecto de ciência cidadã, dedicado a identificar este escaravelho por todo o país. No tronco do Carvalho de Calvos, o biólogo mostra-nos também uma parte com escorrência de seiva, com um leve odor a pipa de vinho.
O tempo foi deixando as suas marcas sobre o Carvalho de Calvos, desde as pedras “engolidas” pelas raízes a um tumor que marca um dos ramos mais baixos, com alguma improvisação humana à mistura. Algo que salta à vista são as estruturas montadas para suportar alguns ramos. “É um ancião de muletas”, brinca Filipa Araújo.
Por uma questão de segurança dos visitantes, mas “sobretudo da árvore”, foram colocadas dez escoras em alguns pontos estratégicos para ajudar o carvalho a segurar os seus pesados ramos. “Só para termos uma ideia das dimensões deste carvalho, há uns 15 ou 20 anos um ramo caiu e só esse ramo deu cerca de três toneladas de madeira. Estas muletas são inevitáveis neste momento para uma maior longevidade do Carvalho de Calvos.”
E como se faz a manutenção de uma árvore tão antiga? “Na prática, nem é aconselhável haver intervenção humana num gigante destes, porque na natureza isso não acontece”, explica a técnica ambiental. “As árvores têm o seu ciclo, têm os seus mecanismos de defesa.” “No ciclo natural, as próprias folhas são o adubo, um fertilizante natural, então tentamos fazer isso. Deixamos durante algum tempo as folhagens para apodrecerem e fertilizarem o solo, o ciclo da matéria que vai ser o alimento do carvalho.”
Há ainda um perímetro à volta da árvore, para evitar pressão sobre as raízes, e as tais “muletas” para aguentar os ramos: “O que nós podemos fazer é apoiar e aí já estamos a ajudar muito a que esta árvore continue com esta longevidade… Se bem que ela já atingiu o limite da sua idade. Segundo dizem, os carvalhos-alvarinhos têm uma estimativa média de vida mais ou menos de 500 anos, que este já ultrapassou. Acreditamos que já esteja na fase decrescente, mas a verdade é que está cheio de vida e isso é um bom sinal.”
Para o vereador do ambiente da Câmara Municipal da Póvoa de Lanhoso, as características da árvore também se ligam à população local: “Também são pessoas com as suas raízes, com a sua força, e isto demonstra o carácter dos povoenses.” Paulo Gago conta que é habitual as pessoas surpreenderem-se com a forte estrutura do Carvalho de Calvos. “Para além da força e da importância que tem, da estrutura que todos vêem, a árvore e o espaço também transmitem uma tranquilidade e uma calma de que, nos dias de hoje, todos precisamos.”