Ai Weiwei em dez temas e dez respostas
Ai Weiwei, director da edição especial do 33.º aniversário do PÚBLICO, neste domingo, 5 de Março, escolheu dez temas para a nossa edição especial e um pequeno texto sobre cada um deles.
Direitos humanos — sobreviverão às perseguições?
“Mas que raio são os direitos humanos?”
A discussão acerca dos direitos humanos não deverá ser uma simples exposição da sua importância, mas antes uma invocação face às mais penosas e atormentadoras circunstâncias. Infelizmente, hoje em dia o termo é frequentemente utilizado por aqueles que têm o privilégio de o manipular para seu próprio proveito e como moeda de troca, em vez de ser usado em benefício daqueles que precisam desesperadamente da sua protecção. Esta prática é generalizada, tanto na esfera política como na esfera mediática. Os direitos humanos são um valor partilhado e, quando se diluem ou são explorados, deixam de ser verdadeiros direitos humanos, em vez disso tornam-se uma ferramenta para o lucro.
Protestos — sobreviverão à irrelevância?
“Os protestos não resultam. Mesmo nas democracias, eles não resultam. Na China, em Hong Kong, em Barcelona. Simplesmente não resultam.”
Foi Washington deliberadamente excluída desta citação? Protestos, sejam na China, em Hong Kong, em Barcelona, em Paris, ou em Washington, nunca foram eficazes para conseguir uma verdadeira mudança. A marca fundamental do poder é ignorar os protestos. De facto, a existência do poder é sinónimo da existência de protestos. O poder afirma o seu domínio, independentemente de existirem protestos ou não. O poder opera com impunidade. Os protestos são uma forma passiva de resistência, destinada a questionar o abuso do poder e salvaguardar os direitos dos oprimidos. Infelizmente, muitas vezes são olhados com indiferença.
Democracia — conseguirá sobreviver ao desencorajamento?
“Democracia? Temos realmente uma democracia? Não, acho que não. Não antes, não agora, talvez nem no futuro.”
Democracia, a mais enganadora palavra do nosso tempo. Algumas pessoas acreditam que têm uma democracia que protege o seu país, o seu sistema e o seu poder, enquanto simultaneamente consideram que outras pessoas não a têm ou não a merecem. Mas o que debatemos como democracia não é a sua verdadeira forma. A verdadeira democracia poderá nunca realmente existir. Em vez disso, aquilo que dizemos que é uma sociedade democrática é uma forma de distribuir poder que falha ao não conseguir responder às exigências de todos, especialmente dos marginalizados. Independentemente da existência de votações, eleições ou participação pública, as decisões são tomadas pela maioria, e isso faz com que já não sejam democráticas, pois negam a importância da existência individual e do livre-arbítrio. Este perpetuar da falsa democracia ocorre devido à influência dos media, à educação e à propaganda, que levam os indivíduos a acreditar que têm representação e identidade, quando, na realidade, a sua vontade foi substituída pelos valores da sociedade, incluindo a educação, o consumo e a necessidade de sobrevivência. Quando falamos acerca de democracia, é essencialmente uma falsidade.
O planeta — conseguirá sobreviver ao que consumimos?
“O ambiente não precisa de ser protegido. Precisa que não o destruamos.”
O tema da protecção ambiental tornou-se muito popular nos tempos mais recentes, mas creio que se trata de uma falsa questão. A noção de que os seres humanos estão acima do ambiente, com padrões morais mais elevados e uma maior capacidade para proteger o ambiente, é claramente absurda. O esgotamento dos nossos recursos e a degradação do nosso ambiente são um resultado directo da destruição humana. O consumo desenfreado de recursos e a conversão destes em capital para a satisfação da ganância individual e da selvajaria humana estão a levar à extinção de muitas espécies e ao esgotamento de recursos essenciais. É por isso que eu evito participar em debates acerca de protecção da natureza – a premissa não é válida. A única coisa que estou disposto a dizer é que devemos parar a destruição do nosso ambiente, o que, infelizmente, parece ser uma tarefa quase impossível.
Liberdade de expressão — conseguirá sobreviver aos extremismos?
“Até hoje, não sei o que é a liberdade.”
No tocante à liberdade, é muito semelhante à democracia, dado que é uma miragem e falta-lhe substância. Muitas pessoas acreditam que mais poder e recursos equivalem a mais liberdade. Mas, de um ponto de vista filosófico, a liberdade ergue-se da luta e da resistência. Sem o esforço de empurrar as limitações, o que se adquire não é a liberdade, mas o que é concedido, o que equivale a estar manietado.
Educação — conseguirá sobreviver à falta de ligação com a realidade?
“A educação é um grande problema.”
À educação, como é geralmente entendida, muitas vezes falta uma ligação à ética e aos valores humanos fundamentais. Em vez disso, dá-se prioridade a ensinar indivíduos a serem bem-sucedidos na aquisição de riqueza, estatuto social e, consequentemente, de um sentimento de segurança através da competição. Esta abordagem prática da educação desumaniza os indivíduos e transforma-os em simples ferramentas para as necessidades da sociedade, em vez de apoiar a sua humanidade. Infelizmente, este tipo de educação, que mina a essência de ser humano, é prevalecente em muitas instituições.
Relações entre o Ocidente e a China — conseguirão sobreviver ao capitalismo?
“O Ocidente precisa da China. Nunca na História houve um mercado como a China. É um mercado de 1400 milhões de pessoas e toda a gente quer ganhar dinheiro. A China tornou-se a ‘corrida ao ouro’ para os ocidentais. Como pode o Ocidente competir com a China? É impossível. A China possui uma força laboral com que não se pode competir.”
A dinâmica entre a China e o Ocidente é bastante clara. Se o Ocidente se agarrar à mentalidade pós-capitalista de utilizar o poder bruto e destruir as fundações sociais, a China será olhada como um recurso indispensável e, logo, desejado por todos. Enquanto a China se apercebe do seu estatuto enquanto recurso e reforça o seu governo autoritário, o capitalismo autoritário prova ser uma forma mais eficiente e estratégica de capitalismo, possuindo uma visão clara para o futuro. Dessa situação vantajosa, a China possui um vasto potencial, enquanto o Ocidente parece estar limitado por uma falta de perspectiva e, por vezes, parece estar perdido.
Arte — conseguirá sobreviver à decoração?
“Os meios de comunicação convencionais apenas querem arte decorativa.”
Sob o capitalismo, a arte foi reduzida a um meio de adquirir fama e proveito. Com o actual estado da educação, da estética e da ética no discurso público, o papel que a arte deve desempenhar, na disposição de perspectivas e linguagens únicas para levantar questões e oferecer novas perspectivas, perdeu-se. Como resultado, à arte contemporânea falta profundidade e inspiração.
Guerra — conseguiremos nós sobreviver?
“A guerra nuclear vai acontecer, algum dia.”
Lamentavelmente, as guerras tornaram-se não apenas um meio de sobrevivência para indivíduos, mas também um instrumento para fazer avançar programas políticos. Esta triste verdade tem sido repetidamente demonstrada ao longo da História. A única solução é pôr um fim à guerra e respeitar a vida humana, e não nos envolvermos em debates simplistas acerca de quem está do lado da justiça. Num conflito, muitas vezes ambos os lados acreditam que têm razão, mas são incapazes de parar a destruição e a perda de vidas que as guerras inevitavelmente causam.
Morte
“Para aqueles que estão vivos: vivam a melhor vida possível.”
A morte é o definitivo, e muitas vezes desvalorizado, tesouro da vida. Concede à vida significado e objectivo, criando um sentido de urgência, uma apreciação da natureza fugaz da nossa existência, e expectativas para a perpetuação de diferentes formas de vida. Com a morte como um inevitável fim, podemos reflectir sobre o significado e a importância das nossas vidas, criar memórias e legados que mereçam ser lembrados e acarinhados. Mas esta reverência à morte é muitas vezes obscurecida pela tendência da humanidade para a corrupção e a desvalorização do seu valor.
Tradução de Eurico Monchique