Católicos fazem vigília para exigir resposta da Igreja às vítimas de abusos sexuais
A vigília de oração será no dia 22, quarta-feira de cinzas, em frente ao Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa, mas poderá ser replicada em vários pontos do país. Bispos espanhóis acusados de sonegar casos.
Ainda a digerir os amargos de boca provocados pela revelação de que pelo menos 4815 crianças foram vítimas de abusos sexuais às mãos de membros da Igreja Católica em Portugal nos últimos 72 anos, um grupo de católicos decidiu promover uma vigília de oração, no dia 22, quarta-feira de cinzas, em frente ao Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, entre as 21h00 e as 22h00.
“Sublinhar a emergência e a exigência com que esperamos as respostas das estruturas e responsáveis da Igreja em Portugal” é um dos objectivos da iniciativa, aberta a todos os “católicos portugueses, leigos, religiosos e ministros ordenados” e que se quer replicada em diferentes cidades. Antes do dia 3 de Março, porém, não se esperam pronunciamentos do presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), D. José Ornelas, sobre a resposta da Igreja portuguesa ao flagelo denunciado no relatório apresentado na passada segunda-feira.
Nesse dia, os bispos portugueses vão reunir-se em Fátima numa assembleia plenária extraordinária exclusivamente dedicada aos abusos sexuais ocorridos dentro da Igreja e será então possível “apontar medidas concretas a desenvolver”, conforme prometeu D. José Ornelas, no comunicado emitido na segunda-feira.
Por essa altura, o representante dos bispos em Portugal já deverá ter em mãos a lista com os mais de 100 nomes de membros da Igreja, padres incluídos, que se encontram no activo, apesar de terem sido apontados como abusadores pelas vítimas ouvidas pelos membros da comissão coordenada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, sendo certo que Ornelas se adiantou desde já a esclarecer que, doravante, não haverá lugar para abusadores dentro da instituição.
A criação ou não de uma nova comissão independente capaz de dar continuidade ao relatório construído a partir de 512 testemunhos (e que constitui apenas a “ponta do icebergue” da violência instituída dentro da Igreja durante décadas, segundo os seus autores) é uma das dúvidas sobre a mesa. A necessidade de garantir uma supervisão da Igreja por membros que lhe sejam exteriores parece ser desde já enfatizada pelo facto de às comissões diocesanas criadas para receber este tipo de denúncias terem chegado, desde a sua criação em 2019 até agora, apenas 32 casos, segundo o mais recente balanço feito à Rádio Renascença pelo coordenador nacional das comissões, o antigo procurador-geral da República Souto Moura.
Mais de 2,5 milhões de euros em indemnizações
Ao sobressalto da Igreja em Portugal soma-se o da Igreja espanhola, onde as dioceses e congregações religiosas vêm sendo acusadas de sonegar a informação que lhes foi solicitada pelo Ministério Público sobre abusos sexuais de crianças. Dos 70 bispos questionados, apenas 29 responderam. Na reacção ao puxão de orelhas, a Conferência Episcopal Espanhola alegou, num comunicado emitido na última noite, que a colaboração prestada está “dentro dos limites que a lei permite”.
Fora do tom da generalidade das dioceses espanholas, a arquidiocese de Madrid divulgou na quarta-feira que o seu gabinete de atendimento às vítimas recebeu 34 denúncias contra membros da Igreja, das quais 23 referentes a abusos sexuais sofridos quando eram menores. Segundo a nota do cardeal Carlos Osoro, o gabinete somou também no ano passado 14 denúncias de abusos de autoridade dentro da Igreja e prestou atendimento psicológico a 19 familiares de vítimas e a cinco abusadores, dos quais três são clérigos.
A diocese alemã de Essen divulgou que houve mais de 400 casos de abuso sexual de menores, desde 1958 até ao ano passado. No total, 129 clérigos e 19 religiosos foram acusados, num universo de 201 pessoas acusadas pelo menos de um crime, tendo 33 sido condenados penalmente ou em processo canónico.
Aquela diocese esclareceu ainda que 163 vítimas pediram uma indemnização financeira pelos danos sofridos, o que levou a que a diocese tenha tido de desembolsar até agora 2,58 milhões de euros na ajuda aos afectados pelo flagelo. Lá, como em Portugal, o mais comum era que os clérigos acusados de terem abusado sexualmente de crianças fossem mudados para outras paróquias ou funções, continuando consequentemente a poder ter “contactos com crianças e jovens”, conforme se lê no respectivo relatório.