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Rui Pinto deve ter pena de prisão, pede Ministério Público

Julgamento de pirata informático acusado de 90 crimes entrou na fase de alegações finais. Procuradora não disse se pena deve ser efectiva ou suspensa.

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O julgamento de Rui Pinto entrou na fase final Rui Gaudêncio

O Ministério Público pediu nesta quarta-feira, nas alegações finais do julgamento do processo Football Leaks, que o pirata informático Rui Pinto seja condenado a uma pena de cadeia.

A procuradora Marta Viegas considerou particularmente grave a violação grosseira do direito à vida privada levada a cabo pelo hacker, quando divulgou sem critério o conteúdo de caixas de correio electrónicas de advogados e dirigentes desportivos. E defendeu que não lhe pode ser reconhecido o estatuto de denunciante que reclama, uma vez que Rui Pinto não agiu a partir do interior de nenhuma organização a que pertencesse e que quisesse denunciar, nem tão-pouco prosseguiu nenhum interesse público.

A magistrada não disse, porém, se no seu entender a pena de cadeia a aplicar deve ser efectiva ou suspensa, nem tão-pouco quantificou a punição, muito embora as molduras penais dos crimes e a elevada quantidade de delitos que estão em causa não dêem grande margem para dúvidas.

O arguido foi acusado de um crime de tentativa de extorsão e outros 89 relacionados com as suas actividades informáticas ilícitas, que vitimaram clubes desportivos como o Sporting, entidades como a Federação Portuguesa de Futebol e a Procuradoria-Geral da República. A sociedade de advogados PLMJ também foi alvo de espionagem e vazamento de dados. Para o Ministério Público, só não ficou provado em julgamento o crime de sabotagem informática ao Sporting, uma vez que o sistema do clube já se encontrava inoperacional quando o pirata informático nele se introduziu.

Embora tenha admitido várias intrusões informáticas durante o seu julgamento, o hacker negou ter sido o criador do blogue Mercado de Benfica, que revelou muita informação confidencial sobre o clube da Luz. “O autor do blogue é alguém que conheço bem. Trabalhava no projecto do Football Leaks”, declarou Rui Pinto em tribunal em Outubro passado, sem no entanto divulgar a identidade deste seu suposto cúmplice. “A violação integral das caixas de correio electrónicas era completamente contra o espírito do Football Leaks”, garantiu o fundador desta plataforma destinada a expor os negócios escuros do mundo do futebol. “Foi uma canalhice.” Questionado pelos juízes sobre a coincidência de o “Mercado de Benfica” ter esmorecido depois da sua detenção em Budapeste, Rui Pinto respondeu que a explicação era simples: “Assustaram-se.”

Rui Pinto diz ter-se oposto à divulgação de todo este material num blogue à parte por querer usá-lo no Football Leaks e passar os documentos roubados ao escritório ao Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação. Uma versão dos factos que não convenceu o Ministério Público: para Marta Viegas, o arguido agiu sozinho e se agora não assume a exposição pública de dados pessoais sem qualquer interesse público que resultou da divulgação do conteúdo de caixas de correio electrónicas é por ter percebido que nada justificava este ataque “aos valores civilizacionais” do Estado de direito democrático.

“Infelizmente, percebeu-o demasiado tarde”, lamentou a magistrada, que põe em causa que o arguido seja a fonte original da fuga de informação que deu origem às revelações do Luanda Leaks, conforme proclamou o próprio: “Não está provado que os documentos que exfiltrou [retirou] da PLMJ tenham sido usados pelo consórcio internacional de jornalistas” responsável pela divulgação do caso.

O dinheiro da Doyen

Nas sessões finais do julgamento, Rui Pinto reconheceu ter equacionado receber dinheiro do fundo de investimento Doyen, entidade ligada ao mundo do futebol. Após ter divulgado contratos confidenciais envolvendo a Doyen no Football Leaks, Rui Pinto pediu por mail e sob pseudónimo a um dos responsáveis do fundo de investimento, Nélio Lucas, uma doação entre meio milhão e um milhão de euros, em troca da qual deixaria de revelar esses documentos comprometedores. Mas acabou por desistir do negócio.

Na altura, assegurou, ignorava o significado da palavra extorsão. “Só agora tenho noção de que este meu comportamento podia consubstanciar esse crime. Só tenho o 12.º ano”, justificou-se, admitindo logo a seguir faltarem-lhe três cadeiras para ser licenciado. Uma confissão desvalorizada pelo Ministério Público, por só ter sido feita na recta final do julgamento. Marta Viegas pediu também a condenação do segundo arguido do processo, o ex-advogado de Rui Pinto, Aníbal Pinto, por envolvimento nesta tentativa de extorsão, uma vez que mediou os contactos entre a Doyen e o pirata informático.

O hacker fez questão de salientar que sempre agiu em defesa do interesse público, com o intuito de expor os negócios escuros do mundo do futebol. “O interesse público não pode estar refém destas agendas. Não pode estar refém de um tudo quero, tudo posso, tudo sei e tudo quero saber”, contrapôs nesta quarta-feira a representante do Ministério Público, que entende que a colaboração que Rui Pinto encetou com as autoridades no sentido de as ajudar a investigar a alta criminalidade não deve servir-lhe de atenuante, uma vez que “foi apreciada num inquérito autónomo”, tendo valido a Rui Pinto o perdão de outros crimes informáticos.

Soube-se, porém, entretanto que Rui Pinto — que continua a beneficiar de segurança pessoal da PSP por estar inserido num programa de protecção de testemunhas — é uma vez mais arguido num novo processo com contornos semelhantes a este, ainda em fase de inquérito no Departamento Central de Investigação e Acção Penal e cuja dimensão e importância será muito superior àquele que está em fase final de julgamento. É suspeito de se ter introduzido nos servidores de clubes como o Real Madrid, Barcelona, Juventus, Manchester City, Benfica e Porto, bem como em mais escritórios de advogados e em empresas de Isabel dos Santos.

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