Crianças que seguem dieta “amiga” do planeta têm menos inflamações respiratórias

Estudo envolvendo 660 alunos do Porto mostrou que aqueles que adoptavam uma alimentação mais sustentável, e saudável, também apresentavam menores níveis de inflamação das vias respiratórias.

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Uma dieta sustentável (ou seja, "amiga" do planeta) é aquela que coloca maior ênfase em produtos de origem vegetal, em particular, frutas, legumes, cereais integrais e leguminosas Getty images
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Crianças que têm uma alimentação “amiga do planeta” tendem a apresentar menores níveis de inflamação nas vias aéreas, sugere um estudo publicado nesta sexta-feira na revista científica Nutrients. Elaborado por cientistas portugueses, o trabalho envolveu 660 alunos de escolas públicas do Porto e demonstra um efeito protector de uma dieta sustentável nas vias respiratórias infantis. Reconhecer o impacto do consumo de alimentos na asma e na inflamação das vias respiratórias, juntamente com os seus efeitos ambientais, pode ajudar a desenvolver directrizes clínicas e de saúde pública mais precisas relativamente aos padrões alimentares para uma melhor saúde, escrevem os autores do trabalho.

“O objectivo do nosso estudo era investigar se crianças com uma dieta mais sustentável – ou seja, mais saudável para o planeta – têm menor prevalência de asma e menor inflamação das vias aéreas. O que nós conseguimos verificar foi que, de facto, os alunos que têm uma alimentação mais saudável e sustentável também apresentavam menor inflamação”, explica ao PÚBLICO a investigadora Mónica Rodrigues, primeira autora do artigo da Nutrients.

Uma dieta sustentável é aquela que coloca maior ênfase em produtos de origem vegetal, em particular frutas, legumes, cereais integrais e leguminosas. Por outro lado, limita o consumo carne, ovos e peixe, bem como as versões processadas desses produtos – sem nunca os tirar do cardápio. “Esta dieta apenas pressupõe um consumo mais moderado de carne”, explica Mónica Rodrigues, que é investigadora do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto.

A carne bovina tem um peso importante no nosso sistema alimentar no que toca às emissões de gases com efeito de estufa (ou seja, os poluentes responsáveis pela crise climática). A agência para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO, na sigla em inglês) estima que as emissões originárias da pecuária representem quase 15% da pegada carbónica global. E daí a afirmação de que as nossas escolhas alimentares condicionam a protecção dos ecossistemas na Terra.

O que é a Dieta Saudável Planetária?

Para avaliar os hábitos alimentares dos alunos portugueses, os cientistas basearam-se no Índice de Dieta Saudável Planetária (PHDI, na sigla em inglês), um indicador que mede a adesão ao padrão alimentar e que foi proposto pela Comissão EAT-Lancet. O objectivo desta dieta é apostar em sistemas e opções alimentares que façam bem tanto à saúde humana, quanto à saúde do planeta.

“Estas dietas mais sustentáveis são geralmente mais ricas em hortícolas, em fruta, leguminosas e cereais integrais, que são alimentos tipicamente muito ricos em antioxidantes, que têm propriedades anti-inflamatórias. Nós sabemos que os antioxidantes têm efeitos positivos na nossa saúde, assim como um menor consumo de carnes vermelhas, carnes processadas, açúcares adicionados, gorduras”, esclarece a cientista.

A conclusão do estudo mostra um efeito protector de uma dieta mais saudável e sustentável na redução da inflamação respiratória, mas apenas em crianças sem excesso de peso. Os resultados encontrados, que sugerem uma associação – e não uma relação de causa e efeito – entre uma dieta sustentável e menores níveis de inflamação, não foram observados para a asma.

“Nem todas as crianças que têm inflamação nas vias aéreas sofrem de asma, mas as crianças que apresentam asma normalmente têm inflamação das vias aéreas. Podemos pensar aqui numa causalidade reversa: os pais destas crianças não vão saber que elas têm inflamação, mas sim se têm asma, e podem, se calhar, já mudar a alimentação nesse sentido, o que poderá confundir um pouco os resultados”, analisa Mónica Rodrigues.

Como foi feito o estudo no Porto?

Um total de 1602 crianças de 20 escolas públicas do Porto com idades entre os 7 e os 12 anos foram convidadas a participar. Desse total, 660 completaram o formulário relativo aos dados nutricionais e 454 foram avaliadas fisicamente.

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A carne bovina tem um peso importante no nosso sistema alimentar no que toca às emissões de gases com efeito de estufa Rui Gaudêncio

Os dados para este estudo foram recolhidos entre Janeiro de 2014 e Março de 2015 e integram o projecto colaborativo ARIA, que já está concluído e envolveu diferentes pólos de investigação da Universidade do Porto. O trabalho tem ainda como co-autores os investigadores Patrícia Padrão, Francisca de Castro Mendes, André Moreira e Pedro Moreira.

Os investigadores realizaram uma análise transversal para avaliar a associação entre a alimentação e a saúde das crianças (asma e inflamação das vias aéreas de acordo com o excesso de peso ou obesidade). A dieta foi avaliada através do PHDI: quanto maior era o índice apresentado por um aluno, mais saudável e sustentável seria a sua dieta.

No que toca à saúde respiratória, os cientistas consideraram três definições de asma com base num diagnóstico médico auto-relatado, sintomas, medicação para a asma, função pulmonar medida e reversibilidade das vias aéreas. A inflamação das vias aéreas foi avaliada pela fracção de óxido nítrico exalado durante a respiração.

O índice de massa corporal foi observado em duas categorias: com e sem excesso de peso. A questão da gordura corporal é relevante para os cientistas, uma vez que, em pacientes asmáticos, a perda de peso costuma facilitar o controlo da condição e melhorar a função pulmonar.

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Participaram no estudo um total de 660 crianças, com idades entre os 7 e os 12 anos, matriculadas em 20 escolas públicas do Porto Getty Images

A Dieta Saudável Planetária, apesar de ser comprovadamente benéfica para o planeta – porque consome menos recursos e tem menor pegada carbónica –, ainda tem de ser estudada em termos de saúde humana. E daí a relevância deste estudo elaborado por portugueses, que oferece uma “primeira” pista dos benefícios desta prática alimentar para a saúde respiratória.

“Estes trabalhos também são importantes porque nos permitem testar se nós conseguimos realmente chegar a um consenso. Há formulações de que esta dieta possa ser boa para nós e para o planeta, mas é interessante recordar que isto nem sempre foi consensual. Quem avançou com este modelo de alimentação planetária foi um professor de Harvard, Walter C. Willett, e ele foi muito criticado”, refere o co-autor Pedro Moreira, professor catedrático da Faculdade de Ciências de Nutrição de Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP).

Pedro Moreira afirma que é importante verificar se, “ao pormos estas limitações nas quantidades” de carne (ou outro alimento considerado com uma pegada ambiental considerável), estamos a conseguir dar aos indivíduos aquilo de que necessitam para ter a melhor saúde possível. E daí a importância de haver mais estudos para reunir essa evidência científica, argumenta o professor da FNAUP.

“É preciso testar, fazer vários testes como este, em que obtivemos uma prova de que o que é bom para o planeta, afinal, também é bom para a saúde destes meninos – nas variáveis que foram estudadas, obviamente”, conclui Pedro Moreira.

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