Santa Casa: ex-gestor acusa Ana Jorge de ignorar soluções que poderiam reduzir perdas

Ricardo Gonçalves, ex-gestor da Santa Casa Global, diz que Ana Jorge abandonou as operações no estrangeiro sem acautelar os riscos e ignorou soluções de venda das participações no Brasil.

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O antigo administrador da Santa Casa Global, Ricardo Gonçalves, foi ouvido esta quarta-feira na Assembleia da República sobre a situação financeira da instituição e sobre o negócio da internacionalização dos jogos sociais ANTÓNIO COTRIM / LUSA
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Ricardo Gonçalves, ex-gestor da Santa Casa Global, empresa criada para levar a cabo o projecto da internacionalização dos jogos sociais da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), disse, esta quarta-feira, na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão, que a mesa liderada por Ana Jorge abandonou as operações no estrangeiro sem acautelar os riscos e ignorou soluções de venda das participações nas sociedades no Brasil que poderiam ter reduzido as perdas, estimadas agora em mais de 50 milhões de euros.

O ex-gestor afirmou que quando a operação foi suspensa pela provedora Ana Jorge, em Junho de 2023, pediu instruções para poder fechar as operações de forma controlada, mas isso não foi feito. “Uma coisa é desistir das operações. Outra é abandonar as operações”, disse.

Além disso, Ricardo Gonçalves considerou que “não é intelectualmente honesto” esperar que um negócio tenha um retorno imediato e dá como exemplo o investimento da Santa Casa na exploração do jogo online. “A Santa Casa investiu 13 milhões e demorou sete anos até ter lucro. Isto em Portugal...”, sublinhou, explicando que o grande objectivo da SCML foi, através da Santa Casa Global, ser operadora da lotaria no Brasil e, por isso, adquiriu uma participação de 55% na MCE Participações, que já tinha distribuição da lotaria.

Já no que diz respeito ao negócio com o BRB (Banco de Brasília), Ricardo Gonçalves descreve o seu potencial, tendo em conta que o banco ficou com o exclusivo da exploração do jogo por 20 anos e procurava um parceiro tecnológico.

A Santa Casa ganhou e tinha de pagar 14 milhões por 49,9% da empresa criada com o BRB que iria explorar todos os jogos. Esse pagamento era para ser feito em sete anos. E quando o Tribunal de Contas interrompeu o negócio e os prazos contratuais para o mesmo arrancar foram ultrapassados, a Santa Casa deixou de ficar obrigada a continuar com o investimento, mas o BRB tinha de lhe dar direito de preferência. Ou seja, a Santa Casa podia desistir naquele momento – que foi o que optou por fazer –, mas se continuasse, no momento em que o Tribunal de Contas autorizasse o negócio, a instituição poderia desistir sem custos, se entendesse que não era viável avançar. “Quando se diz que se poupou 14 milhões de euros, quando os estudos apontavam para dividendos aos accionistas de 100 milhões ao fim de cinco anos, tenho dúvidas...”, afirmou o responsável.

O ex-gestor da Santa Casa Global garantiu ainda poder provar e mostrar “para onde foi o dinheiro” investido na internacionalização. “Todas as movimentações financeiras e de dinheiros existem em registo, estão registadas nos vários bancos e nas contas bancárias e nos sistemas financeiros”, disse, admitindo, porém que a consultora BDO, que levou a cabo a auditoria, tenha tido dificuldades na obtenção de informação.

Segundo Ricardo Gonçalves, a BDO não conseguiu aceder à informação toda porque a SCML deixou de pagar as contas no Brasil e os escritórios fecharam. Acresce que o ex-gestor também estranha que a BDO tenha tido dificuldades em ter acesso a informações e documentos quando já tinha sido contratada para certificar as contas da instituição. “Tenho alguma dificuldade em perceber que a BDO, enquanto certificadora das contas, tenha tido acesso a todas a informações e nunca questionou a falta de informação”, sublinhou.

Quanto à forma como foi destituído do cargo que ocupava na Santa Casa Global, Ricardo Gonçalves diz que foi objecto de uma destituição com uma “inexistente justa causa, caluniosa e claramente atentatória” do seu bom-nome.

E disse concordar com a ex-vice-provedora Ana Vitória Azevedo quando disse, de manhã, que a mesa não deveria ter enviado o relatório preliminar da auditoria sem o contraditório dos envolvidos no processo da internacionalização, para o Tribunal de Contas e para o Ministério Público. “E é com base nesse relatório que se tiram conclusões e se faz a comunicação ao Ministério Público. Não sou contra o envio para o Ministério Público, mas para a comunicação social. Não acho que seja a forma mais correcta de tratar o assunto”, afirmou.

Já no final desta quarta-feira foi ouvido o ex-secretário de Estado da Internacionalização, Eurico Brilhante Dias, que disse que sinalizou o interesse da Santa Casa no Brasil, mas que não participou no negócio, tendo tido apenas duas reuniões pedidas pelo antigo provedor da Santa Casa Edmundo Martinho sobre o projecto.

Numa primeira reunião, Edmundo Martinho e o vice-provedor João Pedro Correia revelaram a vontade de internacionalizar e tinham como objectivo o mercado de Angola e do Brasil. Na segunda reunião, os responsáveis da Santa Casa deram conta do desenvolvimento dos contactos que foram também levados a cabo pelas equipas diplomáticas portuguesas nos mercados-alvo. Brilhante Dias garante que nunca mais teve informações sobre a matéria em causa.

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