Um mercado concorrencial de ensino superior

Portugal tem ótimas condições para se tornar um parceiro importante neste mercado, possui instituições de qualidade, um povo acolhedor e condições de vida que superam as de muitos concorrentes.

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No ano 2000 nasceram 120.071 bebés, em Portugal. No ano “negro” de 2021, nasceram apenas 79.217. Em 2023, nasceram 85.764, dos quais 18.734 de mãe estrangeira, cerca de 22%. Estes números simples ilustram bem as mudanças que se estão a operar no país e as suas consequências em todos os graus de ensino, neste caso particular no ensino superior sobre o qual nos interessa aqui refletir.

Todos os que trabalham e estudam as questões educativas conhecem esta realidade e, apesar de os números de candidatos ao ensino superior mostrarem que o sistema ainda vai mantendo alguma estabilidade, sabe-se que a diminuição é inevitável se nada for feito para inverter o ciclo decorrente da diminuição da natalidade.

Nem o facto de o número de nascimento estar a aumentar nos últimos anos, fruto das mães estrangeiras, nos pode distrair da realidade, pois ninguém garante que estas crianças se vão manter em Portugal e existe a perceção, embora não rigorosa, de que algumas destas mães apenas vêm a Portugal fazer os partos e abandonam o país logo que podem.

A propalada necessidade de procurar novos públicos entre a população portuguesa não passa de uma boa ideia sem correspondência prática, é sabido que a propensão dos portugueses para estudarem em horário pós-laboral é diminuta e que a flexibilidade dos cursos para se ajustarem a horários laboráveis é quase inexistente. Até os trabalhadores-estudantes enfrentam duplas dificuldades das entidades laborais e das escolas, no primeiro caso porque diminuem as horas de trabalho, no segundo porque enfrentam a rigidez de muitos regulamentos internos.

Resta a única solução viável, a criação de um verdadeiro mercado concorrencial de ensino superior que permita ultrapassar as carências de público internas e projetar este setor como uma área de negócio importante para o PIB português. Mas convém não confundir o mercado do ensino superior com a internacionalização, que se pratica há muito, sobretudo desde os primórdios do programa Erasmus complementada com estudantes oriundos dos países de língua oficial portuguesa, nem com o expediente que algumas escolas estatais têm adotado de preencher turmas com alunos estrangeiros para complementar vagas disponíveis, mas com custos de propinas equivalentes aos portugueses.

Concorrer com as grandes potências deste setor implica um esforço nacional para redefinir ofertas, flexibilizar regimes de frequência e prestar um acompanhamento aos estudantes até agora quase inexistente. Também exige que se distinga claramente o que é estatal e privado, libertando as escolas não estatais das peias que constantemente as tolhem, visto que, dependendo apenas das propinas que cobram, não faz qualquer sentido que tenham de estar subordinadas a determinadas disposições, que fazem todo o sentido para as que vivem confortadas com o Orçamento Geral do Estado, mas são inaceitáveis para as restantes.

Não bastam as limitações impostas nas acreditações de cursos ao número de estudantes a admitir, processo dependente dos critérios subjetivos das CAE (Comissões de Avaliação Externa), conforme reconhecido pela própria equipa avaliadora da ENQA (The European Association for Quality Assurance in Higher Education), que recentemente avaliou a A3ES (Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior), também a oferta de vagas é sujeita a uma regulamentação que nem para as escolas estatais parece admissível, muito menos para as privadas.

Finalmente, a questão dos vistos, que nalguns consulados demoram largos meses, com prejuízos incalculáveis para os estudantes candidatos e para as instituições que os admitem, processo regulamentado pela portaria n.º 111/2029, de 12 de abril, documento completamente irrealista e que complica mais do que facilita.

Promover um mercado concorrencial do ensino superior não é apenas admitir estudantes, é todo um processo de marketing, captação internacional, recurso a empresas de recrutamento internacional, criação de condições para que os estudantes obtenham bolsas locais ou empréstimos bancários e um acompanhamento focado no “cliente” que não tem nada a ver com a prática burocrática a que a esmagadora maioria dos nossos serviços académicos estão habituados.

Portugal tem ótimas condições para se tornar um parceiro importante neste mercado, possui instituições de qualidade, um povo acolhedor e condições de vida que superam as de muitos concorrentes. A língua franca que é hoje o inglês é um elo que permite o acesso a cada vez mais cursos, com vantagens evidentes para todos a par do potencial do ensino híbrido e a distância.

O essencial para que de consiga este objetivo é haver menos Estado e mais empreendedorismo, ou seja, um Estado mais facilitador e menos regulamentador da iniciativa das escolas, sejam estatais ou privadas, e uma atitude mais aberta e pró-ativa de todos os envolvidos ao nível das lideranças académicas.

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