Aprovada regulamentação para partilhar dados de saúde de utentes entre países europeus

Espaço Europeu de Dados de Saúde vai permitir o acesso a dados de saúde de cidadãos europeus em qualquer um dos 27 países-membros. Cidadãos podem recusar disponibilizar os seus dados.

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Regulamento para a criação do Espaço Europeu de Dados de Saúde entra em vigor em 2026 Daniel Rocha

Foi aprovado esta quarta-feira, pelo Parlamento Europeu, o regulamento que permite a criação do Espaço Europeu de Dados de Saúde (EEDS). A proposta foi viabilizada com 445 votos a favor, 142 votos contra e 39 abstenções.

A criação do EEDS vai permitir aos Estados-membros da União Europeia (UE) partilhar informações de saúde dos seus utentes com os restantes países. Em termos práticos, profissionais de saúde de qualquer um dos 27 países vão poder aceder à informação clínica de um cidadão europeu – doenças e exames médicos realizados previamente, por exemplo – de qualquer outro país. As informações vão ser traduzidas para as 24 línguas oficiais da UE

Como explicou ao PÚBLICO, por chamada telefónica, a eurodeputada Sara Cerdas (PS) – que liderou as negociações em nome dos Socialistas e Democratas (S&D) – o EEDS vai não só facilitar o tratamento de cidadãos estrangeiros como permitir a poupança de gastos desnecessários, por reduzir a necessidade de repetir exames e consultas.

“Eu sou da Madeira, parto uma perna. Venho a França e o meu médico não precisa de pedir um novo raio-X para ver a fractura, pode usar a que fiz na Madeira”, exemplifica a eurodeputada. “Vai ter acesso ao meu processo clínico em francês e vai ver se eu tenho outras patologias que poderão influenciar o processo de recuperação.”

Os dados anonimizados dos cidadãos também podem ser utilizados para investigação, no que Sara Cerdas considera ser uma espécie de criação de “espaço Schengen para a saúde”. Universidades públicas e o sistema nacional de saúde de cada país têm acesso gratuito aos dados. Uma outra instituição que os queira utilizar tem de submeter um pedido que será avaliado por um mecanismo estabelecido em cada país, de acordo com o Regulamento Geral para a Protecção de Dados. A nível europeu vai ser criada uma estrutura europeia para “fazer todo o acompanhamento deste processo”.

Sara Cerdas usa o exemplo da investigação de doenças raras como uma das áreas que mais pode beneficiar do EEDS, pois a partilha dos dados permite aceder a um banco maior de casos. Também vai facilitar o desenvolvimento de medicamentos e dispositivos médicos.

Será cada país a ter a responsabilidade de formar os profissionais de saúde para a utilização da plataforma. Também é importante que os cidadãos recebam a informação necessária sobre a utilização de dados e as opções de que dispõem.

E se eu não quiser que os meus dados sejam partilhados?

À semelhança do que acontece em Portugal com a legislação da doação de órgãos, por defeito, os dados do cidadão europeu ficam disponibilizados no sistema. Todos os cidadãos, porém, podem pedir que os seus dados sejam retirados da base de dados. O processo de “dizer não”, garante a eurodeputada, “não pode ser uma coisa muito burocrática”.

A excepção à regra são os dados genéticos e proteómicos, por ser impossível garantir a anonimização dessa informação. “Estamos a falar do ADN das pessoas. Aí, o utente tem de dar autorização explícita”, esclarece Sara Cerdas.

A questão da privacidade e da confidencialidade foi uma das maiores barreiras à criação do EEDS. De acordo com a deputada do Parlamento Europeu, existiu uma campanha de desinformação, ao longo do processo de negociação e discussão, que passava a ideia de existir “um bicho-papão”.

“‘Agora é que [a UE] vai ter os nossos dados e não temos uma palavra a dizer, vamos deixar de ter segurança, vamos deixar de ter confidencialidade’. Obviamente, isso foi uma grande campanha de desinformação por algumas pessoas mais extremistas”, afirma.

Regulamento entra em vigor em 2026

Aprovado o regulamento para a criação do EEDS, vai demorar algum tempo até que o Espaço esteja plenamente em funcionamento. Daqui a dois anos, em 2026, o regulamento entra em vigor nos 27 Estados–membros. Mas só em 2028 os registos de saúde vão estar acessíveis entre países. A partilha de dados para uso em investigação só será possível em 2030.

Na Europa, os vários países revelam níveis bastantes distintos ao nível de digitalização de dados de saúde. A janela temporal servirá para permitir que “esta desigualdade” possa ser colmatada. Portugal, sublinha a eurodeputada, é um dos países na linha da frente.

“Temos países muito, muito avançados na digitalização. Um deles é Portugal. Depois temos outros que já estão com uma estrutura montada em esqueleto, como a Alemanha. Depois temos países, nomeadamente a República Checa e outros, que ainda usam o papel”, descreve Sara Cerdas.

Os países com maior desenvolvimento a este nível poderão ajudar outros no desenvolvimento dos mecanismos necessários para a criação do EEDS: “Este avanço que Portugal já leva também serve para que os outros países possam pedir a Portugal que os oriente. Porque da mesma forma que avançamos, também cometemos erros. E esses erros são conhecimento que pode ser partilhado com os nossos colegas de outros Estados-membros.”

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