Novo Museu do Conflito nasce para contar histórias da cidade e da justiça do Porto

Espaço conta a história da cidade, mas também da justiça no Porto. Tem processos célebres, documentos históricos e ferramentas obsoletas e é inaugurado nesta quinta-feira.

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No Museu do Conflito, há vários processos emblemáticos em exibição. ADRIANO MIRANDA
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Quando fechou a agência da Caixa Geral de Depósitos que estava instalada no terceiro piso do Tribunal da Relação do Porto, começou a surgir a ideia de aproveitar o espaço para um museu. O tribunal já tinha uma pequena divisão onde alguns objectos estavam em exibição, mas faltava-lhe uma apresentação que não fosse um mero repositório de objectos com história.

Daí partiu o trabalho que daria origem ao Museu do Conflito, que é inaugurado nesta quinta-feira, no edifício da Relação do Porto, um espaço que conta a história da instituição, mas também da cidade. Há ainda processos célebres, documentos históricos e ferramentas obsoletas.

“Os tribunais existem porque existe conflito”, começa por explicar o presidente da Relação do Porto, José Igreja Matos, no início de numa breve visita guiada ao PÚBLICO. Fica assim explicado parte do nome de um projecto que foi montado com a curadoria do historiador Joel Cleto e da museóloga Suzana Faro. A empresa que ambos detêm, a Tacitus, já tinha trabalhado com o tribunal na criação de um museu virtual da sala que existia e na criação de um percurso pelas várias obras de arte que habitam no edifício da Relação construído em 1961.

Voltaram a ser chamados para montar o Museu do Conflito, um espaço com peças que contam histórias, recorda Joel Cleto, mas com meios multimédia que as contextualizam.

Um dos grandes objectos deste espaço museológico é a própria cidade, com os seus acontecimentos e figuras históricas, que aparecem em painéis retroiluminados que traçam uma cronologia da idade média à insurreição de 1927, o primeiro levantamento contra a ditadura que se prolongaria até 1974. Pelo meio, claro, há alusões à instalação de um tribunal de segunda instância na cidade, em 1582, às Invasões Francesas e à Revolução Liberal, que haveria de dar origem à primeira constituição de Portugal.

Um velho mapa do Porto ocupa a superfície de toda uma parede para que ali sejam assinaladas as seis moradas de um tribunal que já passou pela vizinha Cadeia da Relação (onde hoje está o Centro Português de Fotografia), pelo Palacete Visconde Pereira Machado (Liga dos Combatentes), pela Casa dos 24, mas também pelo Palácio Monteiro Moreira, demolido no início do século XX para por ali se rasgar a Avenida dos Aliados.

No Museu do Conflito há vários suportes interactivos. Num deles, é possível aceder ao conteúdo de processos célebres. Adriano Miranda
Os processos mais conhecidos estão expostos, mas protegidos, em vitrinas. Adriano Miranda
A história do tribunal é contada em conjunto com a história da cidade. Adriano Miranda
Museu do Conflito, Tribunal da Relação do Porto. Adriano Miranda
Museu do Conflito, Tribunal da Relação do Porto. Adriano Miranda
O presidente do Tribunal da Relação do Porto, José Igreja Matos. Adriano Miranda
Museu do Conflito, Tribunal da Relação do Porto. Adriano Miranda
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No Museu do Conflito há vários suportes interactivos. Num deles, é possível aceder ao conteúdo de processos célebres. Adriano Miranda

Documentos históricos

No Museu do conflito estão expostos vários documentos históricos, como pilhas de processos mais conhecidos. É o caso do julgamento por adultério de Camilo Castelo Branco e Ana Plácido ou o de Zé do Telhado, chefe de uma quadrilha de salteadores - cuja lenda lhe aplica um estatuto de “Robin dos Bosques à portuguesa” -, que travou amizade com o escritor na cadeia.

Está também em exibição o processo relativo ao assassinato de uma mulher de Soalhães (Penafiel), espancada e queimada viva por se acreditar estar possuída pelo demónio. Aconteceu já em 1933 e a história daria origem à peça O Crime da Aldeia Velha, de Bernardo Santareno. Encontra-se na mesma secção de outro caso célebre, o do Crime da Rua das Flores, em que foi condenado o médico Vicente Urbino de Freitas, pelo envenenamento da família.

Menos conhecido, mas “igualmente interessante”, conta Joel Cleto, é o caso de Francisco Viterbo, um jovem de Valongo baptizado com o mesmo nome que o pai, um célebre médico do Porto que teve em caso com uma mulher “de origens humildes”. O pai morre e há a disputa da herança, no século XIX, argumentando-se que uma “mulher da mais baixa condição da plebe” não poderia ter um filho de “homem nobre”. O tribunal acabaria por dar razão ao filho, que era “a “figura escarrada do pai”, cita o historiador.

Os processos estão protegidos por vitrinas, mas há um dispositivo multimédia em forma de livro que permite ler o essencial do seu conteúdo que, tal como todo o texto neste Museu do Conflito. É apresentado em português e em inglês. Acima de tudo, sublinha Igreja Matos, este projecto é uma “tentativa de chegar às pessoas”.

Ao longo do percurso, os visitantes encontram ainda objectos caídos em desuso, como antigas tômbolas para sortear os juízes ou um estojo arcaico para apurar impressões digitais, dos primórdios das ciências forenses. Estão também presentes representações de técnicas ultrapassadas, como elaborados esquemas de antropometria, segundos os quais certas medidas do corpo humano revelavam se um indivíduo tinha propensão para o crime.

As entradas são gratuitas, mas tem de haver marcação junto do secretariado do tribunal. À medida que haja número suficiente, as visitas guiadas são organizadas. No futuro, o objectivo é ter alguém em permanência no espaço e disponibilizar audioguias. Para já, explica o presidente da Relação, por limitações de meios e de pessoal, esta foi a solução encontrada para a abrir o museu ao público.

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