“Isto não acaba aqui”, garantem jovens portugueses sobre decisão do Tribunal Europeu

Três casos analisados, uma decisão favorável. Primeiras decisões do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos sobre casos climáticos mostram que a inacção climática é uma violação da Convenção.

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Os seis jovens portugueses que acusaram 32 governos de inacção climática nesta terça-feira, em Estrasburgo RONALD WITTEK/EPA
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O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) decidiu nesta terça-feira que o caso dos seis jovens portugueses contra Portugal e outros 31 Estados é inadmissível relativamente à jurisdição extraterritorial dos restantes Estados mencionados no processo no combate às alterações climáticas, e também no que toca à queixa contra Portugal por não ter esgotado as vias legais internas.

Ainda assim, o tribunal validou alguns dos seus argumentos: o mais significativo foi ter considerado que as alterações climáticas devem ser tratadas como um "problema existencial para a espécie humana", e que existe uma "relação de causalidade" entre actividades que produzem gases com efeito de estufa e impactos adversos nos direitos e bem-estar.

As Verein KlimaSeniorinnen Schweiz — as "avós do clima" da Suíça — foram as únicas que tiveram uma decisão favorável do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que reconheceu violações do artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, relativo ao direito ao respeito pela vida privada e familiar, e também ao artigo 6.º, relativo ao acesso aos tribunais. O caso trazido por Damien Carême, antigo autarca de Grande-Synthe, cidade francesa ameaçada pela subida do nível das águas do mar, foi declarado inadmissível, à semelhança do caso português.

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As "avós do clima" Christian Hartmann/REUTERS

No caso dos jovens portugueses, o tribunal considerou que as alterações climáticas são um problema existencial para a espécie humana, mas estas considerações não podem justificar a expansão dos direitos territoriais.

Sobre a obrigação de percorrer as avenidas legais em Portugal, não foram encontradas razões para os jovens não terem esgotado todas as vias jurídicas internas, dando oportunidade aos tribunais nacionais para avaliar as medidas nacionais de redução e mitigação dos efeitos das emissões.

O argumento dos requerentes de que este tipo de violação dos direitos humanos não tinha cabimento para avaliação por um tribunal nacional foi claramente refutado, e justificou que os juízes não tenham examinado o estatuto de vítima dos jovens portugueses, cujas reclamações não foram previamente analisadas pelos tribunais nacionais. A decisão do TEDH relativamente a Portugal reafirma, assim, o princípio da subsidiariedade.

Vitória das "avós do clima"

No final das contas, só as "avós do clima" suíças tiveram ganho de causa na avaliação do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Este considera apropriado o recurso à acção jurídica por associações em consequência dos impactos provocados pelas alterações climáticas, e entende que a organização Verein KlimaSeniorinnen Schweiz preenche todas as condições para poder representá-las.

O estatuto de vítima depende de dois critérios básicos: a intensidade da exposição das requerentes aos efeitos adversos das alterações climáticas, e a necessidade de preservar a protecção individual dos requerentes. O tribunal entende que as vagas de calor afectaram a qualidade de vida das mulheres, mas não é aparente que estejam em risco de ser expostas a efeitos adversos futuros com um grau de intensidade que exija a sua protecção específica.

O colectivo de juízes considerou que houve uma violação do artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que determina que os Estados devem tomar medidas para mitigar os efeitos das alterações climáticas. O tribunal encontrou lacunas do Governo nas medidas adoptadas para limitar a emissão de gases com efeitos de estufa.

“Isto não acaba aqui”, garante Catarina Mota

“Isto não acaba aqui, isto é apenas o começo”, afirmou Catarina Mota, uma das seis jovens que vieram até ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos reclamar contra a inacção de Portugal e outros 31 Estados no combate às alterações climáticas.

Depois de sete anos de trabalho “desgastante”, os seis requerentes portugueses entendem que “o trabalho não foi perdido de todo” e que a pronúncia da juíza presidente Síofra O’Leary acabou por demonstrar a validade — e necessidade — da sua luta por justiça climática.

“Não derrubámos o muro, mas abrimos uma grande fenda”, afirmou a jovem. “Todos os governos na Europa têm de agir em conformidade com esta decisão imediatamente, e agora precisamos que as pessoas de toda a Europa se juntem para garantir que os seus países fazem isto”, nota ainda Catarina Mota.

“O dia foi uma vitória pelo facto de termos conseguido precedentes para, no futuro, outras decisões climáticas”, afirmou. “Estamos claramente felizes, este não é um dia triste”, referiu, no final da audiência.

Evolução da jurisprudência

Viver num ambiente limpo, saudável e sustentável, que já é um direito humano reconhecido pelas Nações Unidas, não faz parte do rol de direitos reconhecidos na Carta Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), o conjunto de 59 artigos e quase duas dezenas de protocolos que norteia a acção do tribunal.

É através da jurisprudência do TEDH (ou seja, da forma como decidiu em casos anteriores) que é possível afirmar que a protecção do ambiente é, na prática, um direito humano nos países do Conselho da Europa, na medida em que muitas decisões do tribunal deixam claro que um ambiente em risco ameaça também o direito à vida das pessoas que estão em contacto com essa realidade.

Com as decisões desta terça-feira, em particular a do caso KlimaSeniorinnen​, os cidadãos europeus sabem agora que o incumprimento dos países nas suas obrigações de combate às alterações climáticas pode também ser considerado uma violação de direitos humanos.

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