O mágico monte Huashan

“O monte Huashan foi um refúgio para eremitas taoistas e budistas, mas presentemente é a aventura e as magníficas paisagens que atraem as pessoas”, escreve o leitor Augusto Lemos.

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AUGUSTO LEMOS
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Uma vez joguei um jogo de computador que consistia numa perseguição automóvel pelas ruas de uma cidade. Tanto se podia circular pela direita como pela esquerda, mas não se podia tocar nos outros automóveis. Circular de automóvel em Xi’​an é mais ou menos assim.

Acresce que é necessário estar continuamente a buzinar, mas buzinar com o sentido de “estou aqui” e não “sai daí” ou “sai da frente”. Todos buzinam, mas ninguém protesta. Só muito, muito raramente, se ouve alguém a protestar. Só mesmo em casos muito especiais.

Se fosse eu a conduzir em Xi’​an, não imagino como é que me desenrascava e o mesmo se passaria se pusesse o condutor do nosso táxi, cujo nome soava qualquer coisa semelhante a “Sanchan”, a conduzir em Lisboa, ou no Porto, ou mesmo nas vias rápidas da periferia. De certeza que seria muito insultado e de certeza que não aguentaria muito tempo sem uma qualquer batidela.

Fomos a Xi’​an não só para ver os famosos guerreiros de terracota, mas também para ir ao topo do monte Huashan, um dos cinco montes sagrados da China.

O monte Huashan foi um refúgio para eremitas taoistas e budistas, mas presentemente é a aventura e as magníficas paisagens que atraem as pessoas.

A partir dos anos 80 do século XX, muitos jovens, para mostrar a sua coragem, subiam a um dos picos do monte Huashan, pelos trilhos. Presentemente, apesar de haver um teleférico, ainda há quem suba pelos trilhos. Parece que são mais de cem as pessoas que morrem anualmente nestes trilhos, mas nada é divulgado.

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O “Sanchan” levou-nos de táxi até um ponto nas faldas do monte. A partir daí, o trânsito estava interdito a veículos privados e fomos numa pequena camioneta por uma estrada cheia de curvas e por onde outras camionetas iam descendo. Depois fomos a pé por um grande lanço de escadas.

Finalmente chegámos ao teleférico. Íamos cinco no teleférico. O teleférico começa a subir, a subir e o chão a ficar cada vez mais longe. Subiu, subiu, e parecia, em determinada altura, que ia chegar ao destino. Mas não, entrou no monte por um lado e saiu pelo outro e então, a partir daqui, olhando para baixo, até parecia que íamos de avião.

Por fim, depois de cerca de vinte minutos chegámos ao destino.

Desde então foi a pé. Primeiro até um mosteiro taoista e depois até ao cimo, onde havia muitos turistas chineses por todo o lado. Na parte mais elevada, a grade de protecção estava recheada de aloquetes da felicidade.

No topo do majestoso monte Huashan, uma multidão de visitantes chineses aglomerava-se. Entre a agitação de cores e vozes, um lampejo familiar chamou a minha atenção: uma camisola da selecção portuguesa de futebol. Decidi aproximar-me.

Caminhei entre os curiosos até alcançar o portador da camisola. Com um gesto afectuoso, bati com a mão no meu peito e pronunciei: "PÚTÁOYÁ" – que significa Portugal, na língua chinesa. O jovem chinês sorriu, percebendo instantaneamente o laço que nos unia através da paixão pelo futebol. Ele chamou os seus amigos, apontando para mim, enquanto explicava, com entusiasmo contagioso, que eu era português.

Um caloroso coro de risadas ecoou ao nosso redor, celebrando não apenas o momento de contacto entre estranhos, mas também a poderosa capacidade do desporto de transcender fronteiras e unir pessoas de diferentes origens e culturas. Naquele instante, éramos mais do que simples espectadores —​ éramos embaixadores de uma camaradagem global, compartilhando a alegria que só o futebol pode proporcionar.

Augusto Lemos
Autor dos blogues A Luz do Fundo do Túnel e De Bicicleta a Pedal

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