Os CTT estão a matar a imprensa regional?

O Estado parece estar alienado desta realidade, apesar das sucessivas reclamações por parte de diretores e editores da imprensa regional.

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Já foram várias as entidades que alertaram para este problema, que desde a privatização dos CTT, se tem tornado mais proeminente Adriano Miranda/arquivo
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A notícia vinda a público de que os CTT aumentaram os lucros em 66%, não me surpreende, dada a minha localização geográfica. Enquanto jornalista acompanhei, nestes últimos anos, o fecho de muitos postos de correios no interior do país, além de que os ainda existentes passaram a ter poucos recursos humanos, quer no atendimento ao público, quer na distribuição, que não acontece diariamente.

Portanto, os lucros obtidos não me parecem ser resultado de uma estratégia de génio, aliás, os resultados escondem outras realidades. Em algumas localidades, a correspondência fica em banho-maria, afetando mormente a imprensa regional. Quem dirige um jornal local sabe que, atualmente, este é um dos problemas que afeta o setor: o atraso na entrega da publicação ao assinante. Para os jornais que não sejam diários ou semanários, o prazo de entrega das publicações periódicas é de três dias úteis. Quando um jornal sai a uma sexta-feira, muitas vezes só é entregue na quarta-feira seguinte ou até mais tarde, tornando o produto, quando chega às mãos do leitor, totalmente supérfluo. O jornal está dependente da temporalidade dos acontecimentos e ao ser distribuído, muitos dias mais tarde, impulsiona os leitores a cortar a assinatura, contribuindo para a agudização da crise de um setor já em declínio.

É de salientar que a venda do jornal em papel ainda faz todo o sentido, principalmente em zonas onde o sinal de Internet é fraco ou inexistente, ou até mesmo para camadas da população que não têm literacia digital suficiente para aceder à assinatura online, prevalecendo a escolha pela edição papel.

Já foram várias as entidades que alertaram para este problema, que desde a privatização dos CTT, se tem tornado mais proeminente. A Associação de Imprensa de Inspiração Cristã, por várias vezes, já acusou os CTT de prestarem um "mau serviço". E a Associação Portuguesa de Imprensa (API), recentemente, num debate organizado em Gouveia, denominado ‘Desertos de Notícias. Desertos de Liberdade?’, admitiu, pela voz da sua presidente, Cláudia Maia, que é “uma situação dramática e que coloca graves problemas ao setor”. A presidente da API lembrou que o problema surgiu em 2016, “quando os indicadores de qualidade [da distribuição] começaram a ser muito baixos”, ou seja, “os CTT têm de cumprir métricas, se não cumprem, têm de compensar os lesados”, concluiu Cláudia Maia, observando que “os CTT estão a matar o setor”.

O Estado parece estar alienado desta realidade, apesar das sucessivas reclamações por parte de diretores e editores da imprensa regional, mas, talvez seja a hora de tentar encontrar uma solução para o facto de, em muitos jornais regionais, os assinantes mais longínquos das grandes cidades, receberem primeiro o jornal do que os assinantes que vivem na terra onde o jornal está sedeado.

Também a título privado, a perceção no envio de encomendas e cartas, é a de que se não forem registadas com aviso de receção, o risco de não serem entregues é muito elevado e confirma-se, de facto, obrigando o cliente, após algumas situações desagradáveis, a pagar valores elevados por correspondência registada, com aviso de receção, se quer que a prenda da Páscoa, enviada à afilhada em Lisboa, chegue realmente ao seu destino.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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