O Coração Ainda Bate. A cama vazia

Inês Meneses e essa ideia persistente da felicidade a dois.

Acho que nunca nos foi dito para estarmos sozinhos e felizes. A felicidade pressupõe mais alguém na equação e nunca foram os amigos a entrar nesse puzzle, nessa fotografia, nessa moldura social que queremos ostentar perante os outros.

Há uma infelicidade da qual, obviamente, não podemos escapar por razões que não escolhemos e há a infelicidade que aceitamos por temer as consequências: a solidão, a quebra financeira, o olhar condenatório dos outros julgando o nosso fracasso.

Esta, sem pensar muito, é mais uma crónica dedicada às mulheres da minha idade e mais novas, que continuam a ser socialmente empurradas para a ideia de felicidade a dois. Custe o que custar. Às vezes custa-lhes a vida. Outras, a vida toda, incompleta. Algo que sistematicamente ficou aquém do que se queria e sempre se soube que era pouco. As pessoas ficam por receio de que um passo em frente seja um grande risco. Às vezes era só acordar e ser livre. Lutar por qualquer coisa mais plena. Menos asfixiante. Dias que não conhecessem o tédio e o silêncio. Uma casa grande vazia que não nos devolvesse o eco da nossa tristeza.

São sobretudo as mulheres que temem a solidão, sabendo que os homens facilmente serão requeridos ou alistados no exército do amor ou de qualquer coisa que se assemelhe a isso. Às vezes confunde-se o amor com o cariz utilitário da união e vive-se para isso. São dois a trabalhar para a utilidade. Quem os pode condenar?

As mulheres não ficam só nas relações por questões financeiras (não invoco aqui sequer a questão do medo, da trágica violência psicológica ou física). As mulheres persistem em relações que as diminuem todos os dias por recearem que, sozinhas, possam descapitalizar. Se tornem imóveis sem valor. Ora, as mulheres são seres em movimento preparadas para tudo. Talvez libertando-se da pressão social, possam vir a ser realmente plenas.

Quando ali atrás dizia que a equação da felicidade pressupõe sempre alguém (no olhar da sociedade, dos outros), esquecemo-nos dos amigos, a grande teia que nos segura. Esquecemo-nos dos filhos por quem queremos ser melhores todos os dias. Os filhos são uma espécie de marco geodésico que nos lembra que já ali chegámos: uma conquista diária e árdua que acaba por nos balizar.

Esta crónica é para todas as mulheres e amigas que se sentem sós, mesmo acompanhadas. Que veem o seu brilho ofuscado diariamente pagando um preço sem razão de ser, para continuarem numa relação a dois. Esta crónica vem só lembrar a estas mulheres que elas conseguem ser outras e melhores sozinhas. Que podem ser mães, amigas e amantes, não se esvaziando todos os dias numa relação oca, só porque os outros nos aceitam melhor assim.

A questão de podermos ser mulheres sozinhas, emancipadas e amantes ainda não foi devidamente debatida, pois não? Como se as mulheres só pudessem ter sexo quando estão em relação conjugal. A emancipação assusta os outros? Se calhar. De que é capaz uma mulher sozinha? Felizmente de muitas coisas e temos de ser nós, as outras mulheres, a começar a perdoar-nos da culpa imputada por uma sociedade machista que nos educou até para julgar as outras, as nossas semelhantes. As que deveriam ser, primeiro que tudo, as nossas aliadas.

Está de facto na altura de nos ausentarmos da culpa para sermos mais livres e mais agregadoras.

Nenhuma mulher sozinha fracassou. Pelo contrário: muitas só se conheceram perante o embate de acordar numa cama vazia. O que está por conquistar, acreditem, é muito.

O coração ainda bate

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