Encerramento da unidade de cirurgia do cancro da mama nas Caldas da Rainha contestado

Hospital investiu em recursos técnicos e humanos para fazer 150 cirurgias por ano, mas recebeu ordem para descontinuar o serviço e encaminhar doentes para Santarém e Leiria.

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Sete unidades locais de saúde vão deixar de realizar cirurgias ao cancro da mama Rui Gaudencio
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Três cirurgiões membros da Sociedade Portuguesa de Senologia, um cirurgião plástico, um oncologista médico dedicado ao cancro da mama, imagiologista, anátomo-patologista e técnicos em medicina física e reabilitação, psicologia oncológica e enfermeiros — a unidade que no hospital das Caldas da Rainha trata as mulheres com cancro da mama dispõe de boa capacidade técnica (ao contrário de outros dos seus serviços) e consegue fazê-lo com tempos de espera invejáveis no panorama nacional: 15 dias para a primeira consulta de patologia mamária, 15 dias de tempo máximo de espera para uma cirurgia e uma semana de tempo máximo para iniciar um tratamento de quimioterapia.

Tudo isto num hospital de proximidade que serve doentes dos concelhos das Caldas da Rainha, Óbidos, Bombarral, Peniche, Cadaval, Lourinhã e Torres Vedras, evitando deslocações ao IPO de Lisboa onde, de resto, os tempos de espera são maiores.

Esta realidade dura há 40 anos, mas tem fim à vista, marcado para 1 de Abril, de acordo com deliberação da Direcção Executiva do SNS, que, numa óptica de racionalização de meios, propõe o encerramento da actividade cirúrgica no cancro da mama na Unidade Local de Saúde (ULS) do Oeste, assim como outras seis unidades locais de saúde de vários pontos do país.

Na base desta decisão estão os números. O grupo de trabalho do Ministério de Saúde que estudou o tratamento do cancro da mama no país entende que não se justificam unidades destas onde existam menos de 100 casos por ano. Ora, na ULS do Oeste, a média é de 50 tratamentos por ano, sendo que em 2023 esse número foi de apenas 32.

Vítor Marques, presidente da Câmara das Caldas da Rainha, contrapõe que muitos casos diagnosticados são erradamente enviados pelos centros de saúde para o IPO de Lisboa, ajudando a congestionar aquele hospital, em vez de serem encaminhados para o hospital caldense, onde o serviço funciona bem. A prova disso é que, aplicando-se ao nível regional a média da incidência nacional de 60 casos por 100 mil habitantes, a área de influência da ULS do Oeste teria 120 doentes por ano.

Em Portugal, são anualmente diagnosticados mais de 7000 novos casos de cancro da mama. Apesar de não ser uma doença exclusivamente feminina, é o segundo tipo de neoplasia mais frequente nas mulheres (a seguir ao cancro da pele), sendo actualmente a primeira causa de morte por cancro na mulher (1800 óbitos por ano). Quem o diz é Ágata Estêvão Ferreira, directora do Serviço de Cirurgia do hospital das Caldas da Rainha, que, num documento que contesta o encerramento deste serviço, recorda que o próprio grupo de trabalho que o propôs admite que “o limite de 100 casos por ano não seja absolutamente rígido” para se fechar este tipo de unidades.

A responsável diz que “houve investimento em formação prático-científica dos profissionais” do hospital das Caldas da Rainha que tratam o cancro da mama e considera que “esta decisão implica a despromoção dos cuidados hospitalares no Oeste, já com muitas dificuldades a vários níveis, mas até agora com uma óptima resposta na área da patologia mamária”.

O autarca caldense também não se conforma. “As pessoas não podem ser tratadas como números. É um desperdício perder esta capacidade instalada. É mais um motivo para a perda de atractividade do hospital, que já tem muitas dificuldades em contratar médicos.” Um exemplo? “Caldas tem a única maternidade com Serviço de Obstetrícia do país, cujas urgências estão fechadas durante quatro dias por semana devido à dificuldade em contratar médicos e enfermeiros nesta área.”

António Curado, presidente da sub-região do Oeste da Ordem dos Médicos, reconhece que até compreende a centralização de alguns tipos de tratamento que estão dispersos pelo país, mas que não é o caso desta unidade de cirurgia do cancro da mama. “Se está anunciado um novo hospital no Oeste e continuam a retirar valências e diferenciação dos cuidados de saúde hospitalares a este hospital, isso não faz sentido nenhum. Não se pode desinvestir onde se anunciou que se vai investir.”

Este encerramento veio avivar ainda mais o sentimento de injustiça de grande parte da população da cidade depois de o Governo ter decidido construir no Bombarral o futuro hospital da região que vai substituir as três unidades que compõem o Centro Hospitalar do Oeste – Caldas da Rainha, Peniche e Torres Vedras, uma decisão que tem sido alvo de muita contestação e que as forças vivas locais vêem agora num novo Governo uma oportunidade para a reverter.

Além da ULS do Oeste, o grupo de trabalho do SNS também propôs o encerramento da actividade de cirurgia da mama nas unidades locais de saúde da Cova da Beira, Guarda, Castelo Branco, Baixo Mondego, Barcelos/Esposende e Nordeste.

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