No recurso às medidas de coacção, MP diz que Galamba foi autor e mentor dos factos

MP critica “leitura apressada” do juiz e diz que é “cristalino” que Galamba “não só actuou conluiado” com os gestores da Start Campus como foi, “na verdade, o autor e verdadeiro mentor dos factos”.

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O ex-ministro das Infra-Estruturas João Galamba é arguido mas nunca foi detido nem ouvido pelas autoridades LUSA/MIGUEL A. LOPES
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O recurso do Ministério Público (MP) às medidas de coacção na Operação Influencer já foi entregue. No recurso, o MP critica a “leitura apressada” que o juiz de instrução fez dos factos e que o levou a considerar que não estavam fortemente indiciados os crimes de corrupção e prevaricação e que havia elementos que não integravam o crime de tráfico de influência. Na óptica do MP, segundo noticiou o Expresso e o PÚBLICO confirmou, é “cristalino” que o ex-ministro das Infra-Estruturas João Galamba “não só actuou conluiado” com os gestores da Start Campus como foi “na verdade o autor e verdadeiro mentor dos factos em apreço”. De salientar que Galamba é arguido mas nunca foi ouvido ou detido pelas autoridades.

“Relativamente ao crime de prevaricação cometido em co-autoria com o arguido João Galamba, o meritíssimo juiz de instrução criminal afirmou que 'não é alegado qualquer facto de onde se extraia que (...) o arguido João Galamba actuou conluiado com os arguidos Rui Oliveira Neves e João Tiago Silveira no sentido de ser feito o que estes combinaram entre os dois'", lê-se no recurso a que o PÚBLICO teve acesso, que acrescenta: “Quer-nos parecer todavia que tal afirmação só pode ter decorrido de uma leitura mais apressada dos factos descritos no despacho."

Para o MP, João Galamba soube “do regime legal que estava em vias de ser aprovado e, com o propósito de beneficiar indevidamente os interesses da Start Campus, formulou o propósito de fazer introduzir em tal diploma disposições legais que abrangessem a Start Campus e permitissem que esta beneficiasse das medidas de agilização de procedimentos que ali ficaram consagrados”.

E, ainda de acordo com o MP, no dia 12 de Outubro de 2023, Galamba “contactou Diogo Lacerda Machado e pediu-lhe para que a Start Campus lhe enviasse uma informação com as normas de que poderia beneficiar a actividade de data center, para assim fazer inserir tais normas no projecto de diploma que, directa ou indirectamente, favorecessem os interesses da Start Campus”.

“Parece-nos cristalino que o arguido João Galamba não só actuou conluiado com os arguidos Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, da Start Campus, como foi na verdade o autor e verdadeiro mentor dos factos ora em apreço”, lê-se no recurso que sublinha que a intervenção de João Tiago Silveira surge a pedido daqueles dois últimos arguidos.

Os procuradores do MP salientam ainda que Afonso Salema diz a Rui Oliveira Neves que Galamba “pediu para incluir o data center no tal “regime Simplex Industrial”.

Mas os procuradores não ficam por aqui e admitem que podem vir a atribuir mais crimes de prevaricação ao ex-governante. "Quanto ao crime - ou talvez em bom rigor se devesse considerar 'crimes', no plural, o que oportunamente será considerado - de prevaricação relativo ao arguido João Galamba, importa também considerar que, mesmo não estando identificados ainda os concretos actos - despachos e portarias - que foram por aquele aprovados com base em projectos elaborados pela Start, ficou fortemente indiciado um conjunto de condutas subsumíveis ao mencionado tipo de crime", lê-se.

Pedidos de prisão preventiva caem

Neste recurso, o MP acaba por deixar cair os pedidos de prisão preventiva, apesar de considerarem que os “elementos probatórios existentes” o podiam permitir. Porém, os procuradores reconhecem que a “exoneração de funções de Vítor Escária”, o “pedido de demissão do primeiro-ministro” e a “dissolução da Assembleia da República e a marcação de eleições a 10 de Março de 2024” são “circunstâncias com manifesto relevo para a tomada de decisão”.

De qualquer forma, o MP considera que existe perigo de perturbação de inquérito e continuidade da actividade criminosa. “Nada exclui que possam continuar a desenvolver a sua rede de contactos junto de diversas entidades e titulares de cargos políticos em prol de entidades privadas, como a Start Campus”, lê-se no recurso que se refere precisamente a Diogo Lacerda Machado e Vítor Escária.

Aliás, no que diz respeito a Diogo Lacerda Machado, o MP diz mesmo que há “a forte probabilidade” de “continuar a actividade criminosa”, nomeadamente por causa dos “conhecimentos pessoais”. E é recordado que o primeiro-ministro, tido como o seu melhor amigo, “continuará em funções pelo menos até ao dia 10 de Março de 2024”.

O MP pede assim que seja imposta uma caução de 150 mil euros a Diogo Lacerda Machado. Também pede o mesmo valor para Vítor Escária e que lhe seja aplicada a proibição de contactos com “outros arguidos”, bem como “com membros do Governo — actuais ou futuros — e ainda com dirigentes de diversos organismos públicos com interacções com a Start Campus”.

Já para o autarca de Sines, Nuno Mascarenhas, o MP pede a suspensão do exercício de qualquer cargo político, nomeadamente do cargo de presidente da câmara municipal, a obrigação de não contactar com todos os demais arguidos, bem como os funcionários da autarquia referidos no despacho de apresentação. Além disso, o MP pretende que o autarca fique proibido de frequentar diversos edifícios da câmara municipal.

A Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, o MP pede como medidas de coacção a proibição de contactos outros arguidos, bem como com membros do Governo — actuais ou futuros — e ainda dirigentes das demais entidades referidas no despacho de apresentação, concretamente a Câmara Municipal de Sines, a AICEP, a AICEP Global Parques, a APA, o ICNF, a DGEG e a REN.

O MP pretende que também fiquem proibidos de frequentar os espaços da Start Campus, ministérios e secretarias de Estado e respectivos gabinetes de apoio, e de se ausentarem para o estrangeiro.

Para a empresa arguida, a Start Campus, o MP pede que os respectivos representantes apenas contactem com qualquer membro do Governo em contexto formal e institucional — ou seja, com registo documentado do que foi falado e apresentado. E ainda a proibição de contactos com os restantes arguidos em qualquer circunstância.

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