A importância de pôr o profissional de saúde no centro da decisão

Parece que a comunicação sobre o modelo organizativo das Unidades Locais de Saúde não passou dos limiares do nível mais elevado dos decisores.

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“Já sabes o que vai acontecer?” Esta é a pergunta que temos feito junto de médicos, enfermeiros, psicólogos e terapeutas sobre a sua transição, em janeiro de 2024, para as Unidades Locais de Saúde (ULS). Como refere o portal do Governo, “o país ficará inteiramente coberto por 39 ULS”. Isto faz-me repensar se não devemos também pôr o profissional de saúde no centro da decisão e não apenas o paciente.

De norte a sul, a resposta àquela pergunta é “não sei”. Esta resposta não é dada pelos mais novos apenas, mas por um grande grupo de profissionais de saúde mais velhos. A questão volta-se para a base de entendimento dos seres humanos e que passa por uma boa comunicação, clara, assertiva e construtiva. Parece que essa comunicação não passou dos limiares do nível mais elevado dos decisores.

Uma fileira de quase perder de vista de milhares de profissionais de saúde aguarda, nesta instabilidade de todo o Serviço Nacional de Saúde, a ordem para destacar ou ficar. Comunicar significa chegar a todos de forma regular e de uma forma transversal, progressiva, utilizando os vários meios, sejam eles pessoais, impressos ou digitais. Significa criar conversas com os grupos e não apenas com os decisores. Significa também pôr o profissional no centro da decisão.

A literacia em saúde, com a sua base sólida no desenvolvimento de competências e com a necessidade de se dar conhecimento (saber), capacidades (fazer), e atitudes e atributos (ser), permite gerar mais motivação para os momentos de viragem. É também necessária uma estratégia de “comunicação de crise”, que pressupõe a continuidade de uma comunicação segura, clara e com passos certos para retirar a tensão provocada por essa mesma disrupção ou alteração impactante do momento e das estruturas.

Apesar de a lei referir que “cada ULS concentra a organização dos recursos humanos, financeiros e materiais”, e que existe “um novo modelo de organização do trabalho dos profissionais no SNS, que inclui o alargamento dos Centros de Responsabilidade Integrados (CRI) nos hospitais e generaliza as Unidades de Saúde Familiar (USF), que passam a ser todas de modelo B “— onde os profissionais de saúde serão remunerados em função do desempenho —, há dúvidas consistentes trazidas pelos profissionais e pelos peritos na área.

Quando a mudança é disruptiva é preciso controlar os medos que, naturalmente, nascem, como a probabilidade de a saúde de proximidade (os centros de saúde) ficar muito dependente dos hospitais. Como afirmaram muitos profissionais, esta é uma mudança “hospitalocêntrica” desfavorável à saúde de proximidade, na posição contratual dos profissionais, na instabilidade quanto à mudança geográfica... Tudo concorre para se adensarem as nuvens mais negras da dúvida. E contra a dúvida tem de haver a luz do esclarecimento.

São precisas mais explicações, mais mapas, esquemas, fluxogramas, reuniões com as bases e, sobretudo, também fazer uma escuta ativa destas pessoas que, por várias razões, se sentem perdidas neste atropelo de mudanças. Ao fim ao cabo, a nova organização levanta-lhes dúvidas metódicas que, com todo o direito, devem ser esclarecidas. Está na hora de pôr os profissionais de saúde no centro da decisão.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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