Os medos dos outros parecem-nos sempre estúpidos

O medo é uma emoção interessante porque é primitiva, protege-nos desde o tempo das cavernas e é algo que devemos ajudar os nossos filhos a respeitar.

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"Somos cruéis, mesmo que com a melhor das intenções" EDUARDO MOSER/SANDRADESIGN
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Querida Ana,

Queria dar-te um prémio de Mãe do Ano por uma conversa que ouvi entre uma das tuas filhas, então com nove anos, e uma prima, um ano mais nova. A mais pequenina estava aterrorizada pelos insectos que, naquela Primavera, estavam por todo o lado, mas, indiferentes ao seu pavor, todos os adultos da casa, eu incluída, insistíamos que era um disparate e que fosse lá para fora brincar. E foi então que a tua filha se aproximou dela, lhe deu a mão e lhe disse baixinho uma frase que me acompanha desde aí: “Não ligues ao que eles dizem. Os medos dos outros parecem-nos sempre estúpidos.” E, depois, levou-a por um caminho menos bordejado por flores, e contou-lhe os dela (que a mim, sim, também me pareceram absurdos).

Que constatação tão verdadeira, caramba. Estamos prontos a empatizar completamente com os medos dos outros que se assemelham aos nossos, mas quando são, por exemplo, fobias que não nos assustam minimamente, achamos ridículas. Como é possível ter medo de aranhas, de cães, de gatos, de bonecas gigantes, do Pai Natal, das trovoadas, das bruxas do Halloween, ou do que for que não nos mete medo a nós! E o pior é que, como os desvalorizamos, estamos plenamente convencidos de que em duas penadas seremos capazes de os levar a desaparecer, seja com racionalizações, seja expondo-os à situação, muitas vezes sob a forma de “partida”, saltando-lhes em cima como um gato, arrastando-os para a chuva — “vês, vês, só molha!” —, tirando de surpresa uma máscara de dentro de um saco, e por aí adiante.

Somos cruéis, mesmo que com a melhor das intenções.

O que a tua filha revelou foi um enorme respeito pelo outro. Uma capacidade de aceitar, sem julgar ou doutrinar. E essa arte não cai do céu. Por isso, Ana, os meus parabéns.


Querida Mãe,

Obrigada pelos parabéns, embora, em boa verdade, quem me ensinou foram elas, porque também demorei a não desvalorizar a dimensão que um medo pode ter para uma criança. Uma dimensão tão grande e tão real como os nossos medos, embora, lá está, os nossos possam parecer-nos sempre mais justificados.

O medo é uma emoção interessante porque é primitiva, protege-nos desde o tempo das cavernas e é algo que devemos ajudar os nossos filhos a respeitar. Mas como é que lhes mostramos que devem saber ouvir e levar a sério o que sentem, e, ao mesmo tempo, serem capazes de superar os seus medos? Quais são para ignorar e quais para escutar? Não é fácil fazer a distinção porque, mãe, a ansiedade — que se alimenta do medo — vai sempre pegar num medo minimamente plausível, vai sempre colar-se ao que na nossa realidade pode, de facto, por vezes correr mal e ser perigoso. E, de repente, começamos a evitar todo o tipo de situações, para fugir da sensação do medo em si. Ou seja: o pior medo de todos é o medo do medo!

O que é bonito no que a minha filha estava a fazer, e em que nós, adultos, temos muita dificuldade em acreditar, é que ela não estava com medo do medo da prima. Ela não estava a imaginar que se aquele medo não fosse contrariado, nunca se resolveria, não estava a tentar solucionar o problema, não estava a catastrofizar o futuro, presa naqueles raciocínios com que perdemos tanto tempo, do estilo “Ah, e depois se um dia numa entrevista de emprego...” E não há nada que ajude mais uma pessoa com medo do que ter alguém ao lado que não tem medo do nosso medo.

E, sim, mãe, o medo vence-se com a exposição àquilo que o provoca, mas só se for aos poucos, com consentimento da criança e com espaço para inevitáveis retrocessos.

Uma última sugestão: nada de infantilizar a emoção. O medo não é coisa “de bebés”, não é um disparate, não é exclusivo das crianças e é importante que elas saibam disso e, em lugar de o esconderem ou camuflarem, se sintam livres para falar dele.

Beijos


O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.

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