Médicos de família associam-se ao movimento de “luta” contra propostas do Governo

Mais de mil médicos de família rejeitam as propostas que o Governo aprovou unilateralmente em Setembro numa carta que vai ser enviada ao ministro da Saúde na próxima semana.

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O protesto do movimento “Médicos em luta”, de recusa de horas extraordinárias em excesso e que está a levar a constrangimentos e fechos temporários urgências hospitalares de norte a sul do país, já chegou aos centros de saúde e poderá dificultar ainda mais o trabalho nos cuidados de saúde primários onde o enorme défice de profissionais deixa mais de 1,6 milhões de pessoas sem médico de família atribuído.

O movimento "Médicos em luta" divulgou nesta sexta-feira uma carta assinada já por parte significativa dos médicos de família – 1066 num universo de perto de seis mil – e que vai ser enviada na próxima semana ao ministro da Saúde. Na carta, estes médicos avisam que rejeitam o novo regime da dedicação plena e a reorganização das unidades de saúde familiar (USF) modelo B (com remuneração associada ao desempenho) que o Governo aprovou unilateralmente em Setembro.

Recusando “políticas cegas que degradam” as suas condições de trabalho, os médicos recusam a integração no novo regime de trabalho que decorre do anteprojecto de decreto-lei da dedicação plena e do diploma das USF. Estas propostas, justificam, implicam a “aceitação coerciva do regime de dedicação plena nas USF modelo B, sob pena de os médicos serem deslocalizados do seu local de trabalho e verem os seus rendimentos substancialmente reduzidos”.

Acrescentam que não vão aceitar decretos-leis “que não respeitem os contratos de trabalho vigentes, a diversidade de contextos laborais, nem a vontade dos médicos e que comprometem seriamente direitos consagrados” no acordo colectivo de trabalho de 2009. Exigem a rápida revisão dos diplomas e esperam, da parte do ministro da Saúde, “uma resposta célere por meio de acções concretas”.

Lembrando que as propostas do Governo foram aprovadas de “forma unilateral, sem consideração pelos apelos, repetidos, em sede de negociações”, avisam que não vão ser “coniventes" com algo que dizem representar “um retrocesso” por “promover a despersonalização e desumanização dos cuidados de saúde”.

Porquê? Porque as propostas do Governo obrigam “a aumentos do número de utentes por listas” como “única forma de manter rendimentos, infligindo, inexoravelmente, um desgaste nos profissionais, que culminará no agravamento do já trágico cenário de escassez de recursos humanos, capacitados e diferenciados, no Serviço Nacional de Saúde”.

Sublinham ainda que as propostas para as USF vão “comprometer a qualidade e a ética do acto médico” porque associam “de forma directa compensações remuneratórias” ao índice de desempenho global das unidades, uma vez que incluem indicadores como a despesa com medicamentos e com meios complementares de diagnóstico e terapêutica prescritos, em vez de valorizarem “o número de utentes com todas as boas práticas cumpridas, como anteriormente”.

A questão da introdução de novos indicadores que podem influenciar de forma negativa a remuneração variável dos médicos nas USF modelo B já tinha sido levantada em Agosto, quando o anteprojeto de decreto-lei que generaliza as USF-B foi divulgado. Nessa altura, os médicos de família perceberam que as idas dos utentes às urgências, os internamentos não imprescindíveis e as prescrições em excesso de medicamentos e exames poderiam passar a influenciar de forma negativa a sua remuneração variável.

O indicador das idas às urgências desapareceu entretanto, mas o da despesa média de medicamentos receitados e comparticipados e o da despesa média dos exames prescritos mantém-se na proposta, tal como o da taxa de internamentos evitáveis.

Este protesto dos médicos de família vem juntar-se ao dos médicos dos hospitais que, em Setembro passado, começaram também por enviar ao ministro da Saúde uma carta aberta a avisar que se recusavam a fazer mais horas extraordinárias do que as 150 a que estão obrigados por ano.

Desde essa altura, de acordo com o balanço do movimento "Médicos em luta", esta recusa dos profissionais provocou problemas na elaboração das escalas dos serviços de urgência em mais de metade dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, causando constrangimentos e em alguns casos provocando mesmo o fecho temporário de urgências de várias especialidades. Devido à pressão causada pelo impacto da recusa às horas extras, o Governo decidiu reabrir as negociações com os dois sindicatos médicos na semana passada, mas não conseguiu chegar a acordo, estando já marcada uma nova reunião para a próxima sexta-feira, dia 27.

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