A desordem

Estamos perante um baixar de braços. No IX Congresso dos Advogados Portugueses, vai falar-se da “adequação” ao que é imposto pelo poder político na Lei das Associações Públicas Profissionais.

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Iniciou-se a contagem decrescente para a realização do IX Congresso dos Advogados Portugueses, a reunião magna da profissão.

Este órgão nacional trata e pronuncia-se sobre o exercício da advocacia, o seu estatuto e garantias, a administração da justiça, os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e o aperfeiçoamento da ordem jurídica em geral.

A sua comissão organizadora definiu como temas singelos de debate a inteligência artificial, a gestão administrativa do escritório, o marketing, a reinserção social, apenas para citar alguns exemplos, destacando-se, pelo seu ar discreto e apagado, o sinal de rendição absoluta quando se apresenta aos congressistas a adequação à Lei das Associações Públicas Profissionais.

No meio das palavras inflamadas da senhora bastonária, que apela a um direito à resistência, sem especificar forma e modo de atuação ao nível da barricada, na prática estamos perante um autêntico e verdadeiro baixar de braços, pois no congresso vai falar-se da “adequação” ao que é imposto pelo poder político, esquecendo-se do princípio básico de que as leis nascem e que acabam por morrer quando se revelam injustas e impraticáveis, determinando que as maiorias parlamentares que estiveram na sua origem mudem de posição quando confrontadas com propostas inteligíveis e viáveis.

Esta postura sem soluções alternativas, de uma autêntica falta de capacidade de esclarecimento externo, teve o seu reflexo na eleição dos delegados ao congresso, com uma abstenção a rondar os 80% dos advogados e as listas apresentadas a não passarem de meras extensões da atual direção nacional e regional da Ordem dos Advogados, sem diversidade e sem constituírem qualquer perigo residual de contestação.

De igual modo, na Casa da Liberdade e das Leis, que simboliza a sede da Ordem dos Advogados, no âmbito do procedimento eleitoral, aceitou-se sem problemas que uma das listas apresentadas a sufrágio tivesse sido entregue sem o número de candidatos determinado a nível regimental, que, aparentemente, se aceitaram advogados formadores impedidos de se candidatarem a órgãos da Ordem ou se passou ao lado da Lei da Paridade, desconsiderada por quem apregoa aos quatro ventos a defesa intransigente da igualdade de género.

Todo este ambiente desmotiva a participação de uma classe de 35.000 advogados, que representam diariamente no terreno e junto dos cidadãos o respeito da legalidade e do Estado de Direito.

Não se podia perder a oportunidade de centrar a discussão deste órgão máximo da advocacia no combate alternativo a esta lei de ataque às profissões reguladas, mostrar para o exterior a força dos advogados, demonstrar a existência de soluções ou de modificação da própria lei, focar-se em áreas concretas, designadamente apresentando projetos sobre os estágios profissionais, alterando o paradigma de mero controlo de qualidade de conhecimento teórico, passando para o envolvimento real de compreensão do mercado de trabalho, inserindo e apoiando quem começa uma profissão, não transformando o estágio num conjunto de meras etapas burocráticas sem qualquer sentido, indo ao encontro da sociedade civil, das empresas, das associações, e tentar a resolução possível do acesso ao mercado de trabalho, isso tinha de ser discutido.

De igual modo, proceder-se à análise dos moldes do exercício da advocacia no espaço da União Europeia ou da livre circulação profissional no mundo lusófono - isso tinha de ser abordado de forma franca, aberta e sem receios, numa perspetiva de crescimento e desenvolvimento da profissão e não de um permanente receio isolacionista e de temor do que se encontra além-fronteiras.

Por fim, os advogados não podiam, nem podem, deixar de debater o caos na Justiça, afundada que se encontra em greves infindáveis, caraterizada por um desrespeito persistente das prerrogativas e direitos da advocacia nas suas diferentes vertentes de atuação, identificada com uma morosidade destruidora de vidas, apenas abreviada no imediato televisivo, onde num flash se determina a morte cívica de um qualquer cidadão, sendo necessário marcar a linha de confronto com quem se conforma e aceita esta realidade.

Numa só palavra, os advogados não querem esta desordem!

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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