Soprei, trinquei e meti-as no bolo

Celebrar aniversários é confuso para quem vive criativamente à procura de não repetir a mesma frase. Ainda só sei dizer “obrigado” em sete idiomas e, felizmente, recebo mais de sete chamadas.

Foto
Megafone P3: Soprei, trinquei e meti-as no bolo Pexels

O aniversário de um criativo é um sonho. E um pesadelo. Tão inspirador quanto aborrecido. É uma festa, literalmente falando, cheia de rotinas rotineiras, porém divertidas. Fazer anos é como viver um festival de Verão ambulante que só muda pequenos pormenores no cartaz, mas nunca as estrelas principais. E tal como num concerto repetido, a música também é quase sempre a mesma.

Alguém disse uma vez que “a morte é inevitável”. Eu digo que fazer anos também é. Aliás, é muito mais inevitável porque acontece muito mais vezes, e em princípio a morte só acontece uma. Fazer anos só é menos inevitável para quem entra em negação com a idade.

Parabéns”, diz alguém ao telefone, como se estivesse a falar para um bebé, “então, já mudou a fraldinha?”, “o bebé já fala?”. De repente, e por apenas um dia, até as pessoas mais próximas deixam de tratar o aniversariante por “tu”. Neste dia, a pessoa que se torna no centro das atenções, fica também um total desconhecido que todos tratam com distância. E a música que todos cantamos não engana ninguém, “parabéns a você”.

Para quem gosta da segunda parte da cantiga popular, que ainda não é unânime em todas as festas, a indiferença e distância continuam, “tenha tudo de bom (…), tenha muita saúde”. É difícil dizer estas palavras sem cantar, não é? Eu sei, e peço desculpa pelo transtorno.

Contudo, o verdadeiro transtorno é responder a felicitações que em nada mudam, ano após ano. Sabe bem, sabe mal, é esquisito, mas aquece o coração. Celebrar aniversários é confuso para quem vive criativamente à procura de não repetir a mesma frase. Por mais que tente, ainda só sei dizer “obrigado” em sete idiomas e, felizmente, recebo mais de sete chamadas.

“Contes muitos” é a forma certa de felicitar sem errar na idade, contudo, para jovens adultos, dizer “contes poucos” pode ser esquisito. Se para família e amigos o dia já pode ser constrangedor, confuso ou irrelevante, para as marcas é um desafio de como agradar ao cliente num tema potencialmente sensível.

Gosto de dar o meu email e número de telemóvel a demasiadas marcas só para ver como é que me vão dar os parabéns. No fundo, estou eu próprio à procura de criatividade para parabenizar o próximo. Na verdade, as mensagens mais bonitas e criativas que recebo são sempre as que oferecem descontos. Talvez seja um pouco interesseiro da minha parte, mas também não aleija ninguém.

Soprei as velas e agarrei numa para trincar, pedi um desejo e gritei em silêncio por mais criatividade. Ainda não recuperei depois de ver a mesma imagem ser utilizada para me desejar os parabéns, num artigo sobre jantares de amigos, e num anúncio sobre doações de esperma.

Para um criativo, o próprio aniversário pode ser divertido para perceber quais as marcas que se esforçam mais pelo nosso amor. Ou dinheiro. Em princípio é pelo dinheiro, mas sou um romântico da publicidade.

Sugerir correcção
Comentar