Eles ocupam casas devolutas numa Lisboa em crise de habitação

Vivem em casas devolutas numa cidade onde arrendar ou comprar uma casa se tornou um luxo quase inacessível. "Cada vez mais pessoas se vêem forçadas a procurar refúgio em zonas abandonadas."

Fotografia do projecto "O Último Salva Todos", em exposição na Narrativa, em Lisboa, até dia 15 de Abril ©Teresa Ribeiro
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Fotografia do projecto "O Último Salva Todos", em exposição na Narrativa, em Lisboa, até dia 15 de Abril ©Teresa Ribeiro

Têm trabalhos precários e rendimentos incompatíveis com os preços praticados no mercado de arrendamento, em Lisboa. "Cada vez mais pessoas se vêem forçadas a procurar refúgio em zonas abandonadas, e muitas vezes em ruínas, em busca de um espaço a que possam chamar casa", pode ler-se na sinopse do projecto O Último Salva Todos, desenvolvido ao longo de três anos pela fotógrafa Teresa Ribeiro em casas de ocupação ilegal, na zona da grande Lisboa.

O projecto, que se encontra presentemente em exposição na Narrativa, onde o fotojornalista Mário Cruz orientou, no contexto de masterclass, parte do processo de captação e edição fotográfica, revela "um exemplo de como se vive na capital portuguesa", hoje grandemente afectada pelos fenómenos de especulação imobiliária e crise económica.

A psicoterapeuta e fotógrafa Teresa Ribeiro visitou, no total, seis casas onde residem "pessoas com diferentes origens, com histórias infindáveis, de grande riqueza e intensidade". A descrição é feita com propriedade, explica, uma vez que mantém com os residentes relações de amizade, de proximidade. "São pessoas com parcos recursos económicos que trabalham de forma irregular no sector da construção civil ou da restauração", descreve, em entrevista ao P3. "Muitas vezes, trabalham sem contratos e sem quaisquer garantias de serem pagas." Essa precariedade laboral é, em quase todos os casos, o ponto de partida para o problema habitacional. "Sem rede de apoio, têm de se lançar sozinhos e ir ao encontro do que é possível. E o que é possível conseguir está fechado, devoluto, e muitas vezes em ruínas."

Tudo começa a partir do nada ou de muito pouco, conta Teresa Ribeiro. "Em alguns espaços têm-se feito melhorias no sentido de conseguir reunir condições básicas de habitabilidade, como água e electricidade." Mas é necessário fazer muito até se poder habitar um espaço, desde reparações nas estruturas do edifício até à reunião de toda a mobília e utensílios básicos — e todo esse trabalho é realizado pelos residentes. "Alguns lugares tornam-se quase agradáveis, embora contenham apenas o básico", comenta.

A maior parte da mobília e objectos são recolhidos nos contentores de lixo da cidade. "A sociedade de consumo descarta muitos produtos que ainda se encontram em bom estado, ou porque as pessoas os substituem por melhores ou porque as reparações não valem a pena." A fotógrafa, que não se limita a documentar a realidade destas comunidades e que contribui activamente para a melhoria das suas condições de vida, garante já ter encontrado, nessas incursões, "verdadeiros tesouros". 

Embora quase todos cheguem às casas ocupadas com pouco mais do que a roupa do corpo, Teresa "nunca soube de situações em que a entrada de alguém tenha sido barrada". "Comida ou tecto nunca é negado a ninguém, e isso é algo que eu considero precioso." No interior das habitações, descreve a fotógrafa, existe uma atmosfera de partilha, de solidariedade, de comunidade, onde a música assume um papel omnipresente e agregador. "A partilha de música, de comida, é o que lhes dá ânimo. Por terem um futuro incerto, vivem centrados no presente." O que não significa que desejem permanecer nas casas que encontram.

"Existem desafios, evidentemente, para quem vive nestas condições." Para além dos que que são inerentes ao estado de ruína dos edifícios e à convivência num só espaço de pessoas com hábitos, valores e culturas distintas, "recai sobre estas pessoas um certo estigma, um olhar vindo do exterior que não é favorável", lamenta. Há três anos, quando Teresa deu início ao projecto, verificava que muitos "ficavam uma noite, uma semana, um mês ou dois e depois partiam". "Actualmente, o que observo é uma maior dificuldade em encontrar uma solução viável para sair. As pessoas ficam mais tempo até encontrarem alternativas."

Entre as alternativas existentes está a habitação social, uma solução a que poucos recorrem. "[Em muitos casos] há uma descredibilização e uma disfuncionalidade na busca de certos apoios", explica a fotógrafa. "Existe também a ideia de que certas soluções podem quebrar a ligação, a entreajuda, o apoio e o convívio que os une."​

A pressão imobiliária sobre a zona onde ocupam estes edifícios, cuja localização a fotógrafa mantém deliberadamente em sigilo, ameaça, a médio prazo, a permanência destes grupos nas casas que ocupam. "Trata-se de uma zona de grande riqueza histórica que sofrerá, em breve, uma intervenção urbanística de grande escala. Está prevista a construção de novas zonas comerciais, hotéis, etc." No futuro, estes grupos terão de procurar, com ou sem a intervenção do município, novas soluções de alojamento à altura dos seus rendimentos.

O "tema da impermanência, da perda, do que cessa de existir para dar lugar a outras realidades" é central no trabalho de Teresa Ribeiro, que fotografa há cerca de 30 anos. Na construção do presente projecto, a principal motivação foi "sair da zona de conforto" e ser confrontada com "outros pontos de vista sobre a realidade e o mundo que juntos habitamos​". O Último Salva Todos mantém-se em desenvolvimento e é dedicado a um dos residentes, Abel, "que nos deixou cedo de mais".

Fotografia do projecto "O Último Salva Todos", em exposição na Narrativa, em Lisboa, até dia 15 de Abril
Fotografia do projecto "O Último Salva Todos", em exposição na Narrativa, em Lisboa, até dia 15 de Abril ©Teresa Ribeiro
Fotografia do projecto "O Último Salva Todos", em exposição na Narrativa, em Lisboa, até dia 15 de Abril
Fotografia do projecto "O Último Salva Todos", em exposição na Narrativa, em Lisboa, até dia 15 de Abril ©Teresa Ribeiro
Fotografia do projecto "O Último Salva Todos", em exposição na Narrativa, em Lisboa, até dia 15 de Abril
Fotografia do projecto "O Último Salva Todos", em exposição na Narrativa, em Lisboa, até dia 15 de Abril ©Teresa Ribeiro
Fotografia do projecto "O Último Salva Todos", em exposição na Narrativa, em Lisboa, até dia 15 de Abril
Fotografia do projecto "O Último Salva Todos", em exposição na Narrativa, em Lisboa, até dia 15 de Abril ©Teresa Ribeiro
Fotografia do projecto "O Último Salva Todos", em exposição na Narrativa, em Lisboa, até dia 15 de Abril
Fotografia do projecto "O Último Salva Todos", em exposição na Narrativa, em Lisboa, até dia 15 de Abril ©Teresa Ribeiro
Fotografia do projecto "O Último Salva Todos", em exposição na Narrativa, em Lisboa, até dia 15 de Abril
Fotografia do projecto "O Último Salva Todos", em exposição na Narrativa, em Lisboa, até dia 15 de Abril ©Teresa Ribeiro
Fotografia do projecto "O Último Salva Todos", em exposição na Narrativa, em Lisboa, até dia 15 de Abril
Fotografia do projecto "O Último Salva Todos", em exposição na Narrativa, em Lisboa, até dia 15 de Abril ©Teresa Ribeiro
Fotografia do projecto "O Último Salva Todos", em exposição na Narrativa, em Lisboa, até dia 15 de Abril
Fotografia do projecto "O Último Salva Todos", em exposição na Narrativa, em Lisboa, até dia 15 de Abril ©Teresa Ribeiro
Fotografia do projecto "O Último Salva Todos", em exposição na Narrativa, em Lisboa, até dia 15 de Abril
Fotografia do projecto "O Último Salva Todos", em exposição na Narrativa, em Lisboa, até dia 15 de Abril ©Teresa Ribeiro