Israel
Um olhar asséptico sobre os colonatos israelitas (ilegais) na Cisjordânia
Depois de a ONU afirmar peremptoriamente que a expansão israelita através da implantação de colonatos em território da Cisjordânia é “ilegal e constitui uma violação da lei internacional”, é possível olhar para o fenómeno sem tomar partido? O fotógrafo Ken Taranto, autor de The Settlements, escolheu fazê-lo.
Há uma imagem, repetida até à exaustão, que ficou gravada na mente do fotógrafo norte-americano Ken Taranto, residente em Telavive há dez anos. “Há anos que leio histórias nas notícias acerca dos colonatos judeus na Cisjordânia e as fotografias que as ilustram mostram sempre conjuntos de casas todas iguais assentes em colinas”, descreve. “[Os edifícios] parecem monolíticos, invasivos e claramente desprovidos de humanidade, o que condiz com a forma como são caracterizados pelos media tradicionais.” O mesmo aconteceu com a representação dos residentes desses aldeamentos, “mulheres de cabeça coberta com lenços e homens de madeixas laterais e quipás, guardados por soldados israelitas armados”.
Esses retratos sempre o fizeram sentir-se afastado da realidade dos colonatos israelitas. “Tudo me parecia tão extremo, muito diferente da cultura ocidental e amplamente secular da sociedade israelita, em geral”, explica Ken, ao P3, em entrevista a partir de Israel. “Os colonos israelitas são muitas vezes estereotipados. Eu quis evitar que isso interferisse com o que as pessoas viam nas estruturas e na paisagem.”
O primeiro contacto que o fotógrafo de ascendência judaica teve com o sionismo foi através de uma professora de hebraico que teve aos 11 anos. A professora pertencia ao movimento juvenil escoteiro, sionista e socialista Hashomer Hatzair, que incentivava os jovens à migração e ocupação de território palestiniano, em kibutz. “Gostei daquela família, da sua energia”, conta o fotógrafo.
Ken viajou até Israel pela primeira vez em 2005, aos 46 anos, e desde então visitou o país todos os anos até se mudar, definitivamente, com a família, em 2012, para a capital. “Temos um sentimento de pertença em Israel, especialmente em Telavive”, descreve. “É uma terra de imigrantes”, muito semelhante a Nova Iorque, compara, a cidade onde viveu entre 1982 e 2012.
Na opinião de Ken, que se afirma não religioso, Israel “é tão dividido politicamente como os Estados Unidos da América ou a maioria dos países do mundo”. Assume gostar de estar no “olho do furacão”, o lugar onde há mais de sete décadas se mantém activo um conflito sangrento que provou mortes de forma ostensivamente desproporcional: dados da Organização das Nações Unidas (ONU) apontam para mais de seis mil mortes de palestinianos contra apenas 274 de israelitas, desde 2008. No cerne da contenda estão, é sabido, questões territoriais.
Em 2022, a ONU publicou um relatório onde afirma, peremptoriamente, que a expansão israelita através da implantação de colonatos em território da Cisjordânia é “ilegal à vista da lei internacional”. Ken escolhe não se posicionar sobre a matéria. “As minhas fotografias não apoiam nenhuma narrativa”, afirma. “Sei que isto pode deixar algumas pessoas desconfortáveis. Querem que me posicione, que torne claro o lado do conflito que eu apoio.” Ken deseja apenas que as suas fotografias falem por si. “Se apresentar as fotografias através de uma lente politizada, estou a negar às pessoas a poesia que as imagens evocam e a negar-lhes a oportunidade de descobrir aquilo que estão a ver, a sentir e a pensar quando as olham”, afirma.
The Settlements reúne, neste contexto difícil, imagens desprovidas de carga dramática cujos protagonistas são edifícios erigidos pelo governo israelita de forma ilegal em território palestiniano. “Os colonos estabeleceram [entre Novembro de 2020 e Outubro de 2021, no período de apenas um ano que foi marcado pela pandemia] 13 novos colonatos, mantendo uma tendência de crescimento ao longo dos últimos dez anos”, pode ler-se no relatório supracitado. “Demolições de propriedade palestiniana e incidentes de violência por parte de colonos atingiram os níveis mais altos de sempre registados pelas Nações Unidas e a violência perpetrada tornou-se mais severa.” O relatório indica ainda que as autoridades israelitas demoliram 967 propriedades pertencentes a cidadãos palestinianos na Cisjordânia, desalojando 1190 pessoas — 656 crianças, 261 mulheres e 273 homens palestinianos.
Nas imagens a preto e branco que produziu na Cisjordânia, ao longo de quatro anos, nos colonatos de Shomron, Binyamin, Gush Etzion, Jerusalém Oriental, Vale Jordão e no Monte Hebron, Ken escolheu omitir a presença dos colonos. “Eu quis focar os lugares e não ser distraído por pessoas, pelas suas expressões, pela sua linguagem corporal, pelas suas roupas.” Encontrou colonatos pequenos, com poucas centenas de residentes, outros com poucos milhares e outros com dez ou vinte mil habitantes. “Também encontrei muitos colonatos não oficiais, com populações compostas por poucas famílias. Para minha surpresa, havia populações muito heterogéneas nos colonatos — comunidades sionistas religiosas, ultra-ortodoxas, seculares e mistas.” O seu objectivo, sublinha, era ter um exemplar de cada tipo, tamanho, densidade, idade, região, para determinar “se os colonatos seriam, de facto, monolíticos”.
“O percurso desde Israel até à Cisjordânia é incrivelmente bonito e emocionante”, conta. Os colonatos foram “fáceis de visitar”, “uma experiência agradável”, embora Ken encontrasse pouco que fazer no seu interior. Mas também houve incidentes dignos de nota, como ter sido abordado pela patrulha do colonato e pelo exército israelita enquanto fotografava. “Uma vez pediram-me para parar de fotografar e abandonar o local. Outra vez, podia continuar a fotografar, mas nunca virado a norte.”
A entrada nas aldeias palestinianas revelou-se um desafio maior. Ken Taranto encontrou não raramente grandes letreiros vermelhos que alertavam: “A entrada a cidadãos israelitas é proibida, é perigosa para as suas vidas e viola lei israelita”. Optou por fotografá-los a distância. “Uma coisa que fiz foi centrar-me nas zonas de periferia dos colonatos. São interessantes porque revelam território palestiniano em que estão inseridos e o aparato de segurança que está montado para mantê-lo afastado. Foi uma grande oportunidade para contemplar a beleza e a tristeza na paisagem.”
Em The Settlements, editado pela Gost Books, Ken pretende colocar os colonatos israelitas debaixo de uma nova luz. “Não há lugar para onde me vire, neste país, que não me convide a pensar acerca da profundidade e complexidade das civilizações que cá viveram.”