Mais esperança para os doentes com estenose aórtica
Foi há 20 anos que um doente foi tratado com sucesso com a primeira válvula artificial aórtica colocada através de um acesso vascular periférico (reconhecida a partir desse momento em todo o mundo por TAVI - Transcatheter Aortic Valve Implantation).
No dia 16 de Abril de 2002, que o francês Alain Cribier, em Rouen, abriu mais uma página decisiva no avanço da medicina no século XXI. Um doente de 57 anos com estenose valvular aórtica severa, em choque cardiogénico e sem condições para cirurgia cardíaca, foi tratado com sucesso com a primeira válvula artificial aórtica colocada através de um acesso vascular periférico (reconhecida a partir desse momento em todo o mundo por TAVI - Transcatheter Aortic Valve Implantation). Na altura, este foi um feito incrível, num doente sem outro tipo de solução, e esta descoberta levou a um desenvolvimento rápido na indústria dos dispositivos médicos, só comparável à da angioplastia coronária. Aliás, aquele foi um ano de ouro para a cardiologia de intervenção mundial, pela implantação da primeira válvula cardíaca de forma não cirúrgica e pelo uso das primeiras próteses coronárias revestidas por fármaco (Drug Eluting Stents), que vieram a revolucionar o tratamento da doença coronária e do enfarte do miocárdio. O paralelismo entre estas duas intervenções, com um impacto significativo na mortalidade cardiovascular, é muitas vezes usado para antever aquilo que poderá acontecer com a TAVI, ou seja, substituição progressiva da cirurgia cardíaca convencional pela intervenção percutânea minimamente invasiva no tratamento dos doentes cardíacos.
Em Portugal, a primeira TAVI foi feita no Hospital de Gaia, em 2007, por Vasco da Gama Ribeiro e a sua equipa. Seguiram-se outros hospitais públicos e privados, com um notável crescimento da atividade nos últimos anos. Foram feitas mais de 5000 intervenções nos últimos 15 anos, com metade das intervenções a serem realizadas nos últimos três anos. De qualquer modo, não são ainda em número suficiente face às necessidades do país e à exigência das últimas recomendações internacionais. Sim, porque os estudos clínicos mostram cada vez melhores resultados com a TAVI, primeiro em doentes de risco cirúrgico elevado e, mais recentemente, em doentes com opção cirúrgica, como os doentes de risco moderado ou baixo.
Mas a história de sucesso desta intervenção está também ligada à história da estenose valvular aórtica. Trata-se de um aperto na válvula cardíaca, impedindo que o sangue arterial saia normalmente do coração (ventrículo esquerdo) para irrigar os órgãos através da aorta. Assim, os doentes com estenose aórtica podem ser assintomáticos durante a maior parte do tempo ou sentir apenas ligeiro cansaço, muitas vezes não valorizado pelo doente, que acredita que este sintoma é próprio da idade. A partir de uma fase mais avançada e severa da doença, os doentes com estenose aórtica podem ter falta de ar, dor no peito e desmaios. O grande problema é que a fase sintomática da estenose aórtica severa está associada a uma mortalidade elevada e, por isso, o seu tratamento deve ser feito com brevidade.
A estenose aórtica é um problema de saúde com grande expressão nos países de maior esperança de vida, pois afeta sobretudo as pessoas a partir dos 65 anos. Segundo as Tábuas de Mortalidade do Instituto Nacional de Estatística, em Portugal, a esperança de vida à nascença situa-se entre os 78,07 anos (homens) e 83,67 anos (mulheres), mas talvez o mais interessante a analisar seja a esperança de vida para uma pessoa com 65 anos, que neste caso é de 19,69 anos. Lembremo-nos de que quase 25% da nossa população tem mais de 65 anos e, por isso, a estenose aórtica deve ser considerada um importante problema da saúde pública. Estima-se que mais de 30.000 pessoas sofram de estenose aórtica em Portugal e que uma importante fatia destes doentes tenha indicação para tratamento, devendo o nosso Sistema Nacional de Saúde garantir a acessibilidade ao melhor tratamento, quer seja por TAVI ou não.
Antes de existir a TAVI, os doentes com estenose aórtica eram frequentemente recusados para cirurgia por terem idade avançada ou apresentarem problemas de saúde que aumentavam o risco da cirurgia, ficando cerca de 1/3 dos doentes sem qualquer tratamento e, por isso, sujeitos a morrerem precocemente (80% mortalidade aos 3 anos). Assim, o que se assistiu em todo o mundo não foi uma competição entre a cirurgia e a TAVI, mas sim uma oferta de tratamento complementar para ajudar o maior número de doentes.
Como qualquer terapêutica inovadora, inicialmente, a TAVI suscitou dúvidas e ceticismo por parte de alguns críticos, mas rapidamente atingiu o difícil estatuto de unanimismo na comunidade cardiológica e da cirurgia cardíaca. A evidência recente da superioridade desta técnica, mesmo em doentes de menor risco e mais jovens, leva a novos desafios, como o tratamento de doentes especialmente novos (menos de 65 anos) e a perspetiva de novos tratamentos não cirúrgicos após a falência das próteses (valve-in-valve). Aliás, um dos grandes desafios é sem dúvida alguma a durabilidade das próteses, que neste momento se situa entre os 8 e os 12 anos.
Um outro desafio que importa referir são os custos deste tipo de tratamento, pois o mercado mundial de TAVI foi avaliado em 4.559 milhões de dólares em 2020 e estima-se que atinja os 16.937 milhões de dólares no ano de 2030.
No ano passado, foram implantadas cerca de 250.000 TAVI em todo o mundo e espera-se que o número duplique em apenas dois anos. É, por isso, urgente estudar modelos económicos e novas formas de financiamento para aumentar a acessibilidade dos doentes ao melhor tratamento disponível.
O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990