A música experimental a juntar gente em ano de distanciamento social

No âmbito da programação do Cultura em Expansão, a associação de músicos experimentais Sonoscopia lançou um desafio à comunidade. Daí nasceu o Grupo Operário do Ruído, que junta pessoas que, na maioria, nunca tiveram contacto com este espectro musical.

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Rui Rodrigues, 70 anos, está numa sala do segundo piso do Clube Fenianos do Porto (CFP) a experimentar música. Sempre gostou de a ouvir, mas nunca se dedicou a um instrumento. Agora faz parte do Grupo Operário do Ruído, conduzido por músicos experimentais da Associação Sonoscopia, e tem à sua disposição uma panóplia imensa de objectos para poder explorar notas musicais. Naquele dia escolheu uma caixa de madeira onde vai batendo com um batuque, tentando aguentar o tempo. A frase musical que criou poderá eventualmente fazer parte de uma composição maior feita em conjunto com os outros membros do grupo, também eles comprometidos a sacar de instrumentos não-convencionais uma melodia, um ritmo ou um ambiente. 

O que ali for criado vai ter honras de palco no dia 16 de Dezembro, no auditório do Passos Manuel. A estreia ao vivo e com público será feita no âmbito da 7ª edição do Cultura em Expansão (CeE), projecto camarário que ao longo da sua existência, através do envolvimento de várias estruturas culturais da cidade, leva a cultura a zonas do Porto onde ela normalmente não entrava. Em ano de pandemia, neste projecto e noutros, também serviu para aproximar pessoas.

O centro nevrálgico deste projecto, inserido no CeE, levado a cabo pela Sonoscopia seria a Associação de Moradores do Bairro da Bouça. Mas como as instalações estão em obras o grupo passou a ensaiar no CFP. Nesta edição ajustada às condicionantes dos tempos que se vivem esta foi apenas mais uma alteração somando-se à ginástica feita para cumprir a agenda que foi sofrendo algumas alterações. 

Ainda que o raio de acção tivesse o seu centro na Bouça a chamada para angariar participantes foi feita a pensar numa comunidade mais alargada. Respondeu ao apelo, entre outros, Rui Rodrigues, que ali chegou da Bovista, com primeiro critério assente na necessidade que tem de conviver com outras pessoas. “A minha filha está ligada às artes assim como o meu genro e ela achou bem que eu fizesse parte de uma actividade. Queria pôr-me aqui ou em cinema. Acabei por vir para aqui”, conta.

Nunca tinha pegado num instrumento nem para lhe limpar o pó. Havendo a hipótese agora de o fazer não hesitou e fê-lo num género muito particular - o da música experimental e improvisada. Não é que não estivesse de alguma forma já familiarizado com o género. “Gosto de música improvisada mas mais comercial”, diz. Mas não estava tão por dentro desta forma de a abordar, recorrendo a instrumentos menos convencionais. “Gosto muito de Pink Floyd, mas também de uns Beatles”, atira. 

Na sala onde o grupo ensaia há instrumentos que podem à partida não ser visualmente identificados como tal por pessoas sem qualquer relação com este género de música mais exploratória - há utensílios de cozinha ou outros feitos a partir do desperdício, ou recorrendo a material usado para servir de condutor de electricidade. Mas a disponibilidade para apurar a audição e outros sentidos mais sensoriais quebra qualquer barreira assente em cânones. Neste espectro musical não existem limites.

Música a unir pessoas

Rui Rodrigues diz ter-se integrado na perfeição no espírito da Sonoscopia e no grupo do qual faz parte. Mas o mais importante para si continua a ser a ligação com as pessoas: “Gosto muito do convívio que aqui existe”. Agora espera pelo dia em que vai chegar ao auditório do Passos Manuel. Recorda que já esteve noutros palcos, mas não como este, remetendo para os tempos em que esteve na Guiné num “palco de guerra” durante “dois anos e vinte dias” - terminou o serviço militar exactamente no dia 25 de Abril de 1974.  

Para Malvina, 35 anos, polaca a viver no Porto há sete anos, esta também é uma forma de poder interagir com outras pessoas. “Com a pandemia não consigo abraçar os meus amigos e muita coisa mudou. Agora ver concertos só sentada e deixei de poder dançar”, atira. Ao contrário de Rui já toca alguns instrumentos e já subiu a um palco. Está ligada à música, mas não de forma profissional. Actualmente frequenta um curso de instrumentos tradicionais portugueses, com os quais encontra uma relação com alguns que são usados no folclore da Polónia.       

Também tem um interesse particular pela música experimental. E agora passou a olhar para alguns objectos de outra forma. “Agora em casa olho para os objectos com outros olhos. Tudo é um instrumento. Há uma liberdade muito grande neste género de música. Há utensílios que à partida não parecia, mas têm um som muito interessante”, diz.

Henrique Fernandes, director musical do grupo e membro da Sonoscopia diz que este projecto foi desenhado para “todas as faixas etárias” e “sem qualquer tipo de restrições”. Além da heterogeneidade a este nível há também diversidade cultural e de outras nacionalidades.  

Esta iniciativa é mais uma ramificação de um projecto maior, em andamento, levado a cabo pela associação que o músico representa - o Atlas de Instrumentos Utópicos, “uma espécie de instrumentário” que está a ser criado e organizado pela Sonoscopia já há alguns anos. A associação desenvolve alguns instrumentos a partir do desperdício, mas para Henrique Fernandes esse “não é o cerne da questão”. A prioridade, salienta, é serem instrumentos “que partem de novas abordagens”. 

O Grupo Operário do Ruído é mais um dos veículos para que esta forma de fazer música chegue a outras paragens fora do circuito em que se move: “A ideia deste projecto é levar este instrumentário a outras pessoas e a comunidades que nunca tiveram contacto com este tipo de música mais exploratória e improvisada”.

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