APEL lamento fecho da “carismática editora” Livros Cotovia

Reacções à perda da editora fundada em 1988 por André Fernandes Jorge multiplicam-se.

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Pavilhão da Cotovia numa edição anterior da Feira do Livro de Lisboa José Maria Ferreira/Arquivo

O fecho da editora Livros Cotovia, anunciado na segunda-feira, é lamentado pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) e por autores como o escritor e professor brasileiro Eduardo Sterzi, que a considera uma das “melhores do mundo”.

A APEL, em resposta à agência Lusa, “lamenta o encerramento desta carismática editora”, que “torna mais pobre” o panorama editorial português.

O secretário-geral da APEL, Bruno Pacheco, disse à Lusa que a Livros Cotovia, fundada há mais de 30 anos, se “ressentiu” do desaparecimento do seu fundador, André Fernandes Jorge (1945-2016), mas a actual “queda das vendas precipitou o encerramento da editora”.

A editora Livros Cotovia, que reuniu no seu catálogo, ao longo de mais de 30 anos, autores como Agostinho da Silva, Frederico Lourenço, Manuel Resende, Luísa Costa Gomes, Virgínia Woolf, Thomas Bernhard e Paul Celan, anunciou, na segunda-feira, o encerramento da sua actividade, no final do ano.

“Caro Leitor, esta é a última presença da Cotovia na Feira do Livro de Lisboa. A editora fecha no final do ano”, lê-se na mensagem publicada pela editora, na sua página no Facebook. “A partir de amanhã [hoje], disponibilizamos livros descatalogados no nosso pavilhão”, acrescenta a mensagem, que não foi seguida de mais nenhuma resposta ou comentário da editora.

A Livros Cotovia foi fundada em 1988, por André Fernandes Jorge (1945-2016), com seu irmão, o poeta João Miguel Fernandes Jorge, que abandonou o projecto editorial pouco tempo depois. Ao longo de mais de 30 anos, publicou mais de 700 títulos, de 350 autores, “todos eles relevantes”, para “um público leitor que sabe o que quer”, como escreve no seu “site”.

O lamento pela perda da editora multiplica-se hoje por mais de um milhar de reacções ao anúncio, na página da Cotovia no Facebook, cruzando-se anónimos com nomes mais conhecidos, como o poeta João Luís Barreto Guimarães, o historiador Vítor Serrão, a actriz Joana Brandão, a artista Adriana Molder e a cineasta Cláudia Varejão.

O escritor e crítico Eduardo Sterzi, professor da Universidade Estadual de Campinas, no Brasil, recorda, na sua página, a presença da editora portuguesa na Bienal do Livro de São Paulo, no início dos anos 2000, que lhe deu a possibilidade de adquirir e ler muitas obras “que apenas namorava à distância”.

Storzi lembra como foi “atraído não só pelos títulos e autores, mas também pelo projecto gráfico límpido”, definido no início pelo cineasta João Botelho, que o levou a colocar a Cotovia entre as editoras com melhor grafismo, a nível mundial, como a francesa Minuit e a italiana Adelphi.

“Queria agradecer em público o trabalho realizado pela editora ao longo de décadas. O catálogo da Cotovia a coloca entre as melhores editoras do mundo - pelo menos do meu mundo, que cada vez menos coincide com o mundo geral”, escreve o professor brasileiro, que aposta na sobrevivência da chancela: “Se agora anuncia seu fecho”, “não chega ao fim”, “enquanto houver bibliotecas e leitores”.

O professor de jornalismo Francisco Belard, que fez parte das redacções de jornais como República e Expresso, escreve nos comentários da Cotovia, que o seu fecho “será uma das mais tristes e graves perdas na nossa vida cultural e do meio editorial português”.

O historiador Vítor Serrão recorda que a Cotovia “lançou alguma da nossa melhor poesia, de João Miguel Fernandes Jorge a Joaquim Manuel Magalhães, a Jorge de Sena, sem esquecer a revista literária As Escadas Não Têm Degraus. São títulos-referência, todos eles”, garante.

Acusando “a inclemência dos ventos consumistas que tudo varrem na sua lógica ultraliberal”, Vítor Serrão afirma: “No mundo de que sou pertença, ler é uma coisa demasiado importante para que possa ser confundida com mercadoria ou negócio.”

Crónicas do Jornal Expresso 1974-2001, de Nuno Brederode dos Santos, e Bucólicas, de Virgílio, estão entre as mais recentes e derradeiras edições dos Livros Cotovia, assim como textos dramáticos de García Lorca, Giovanni Testori e Witold Gombrowicz, incluídos na colecção Livrinhos do Teatro, feita em parceria com a companhia Artistas Unidos, que inclui autores como Arthur Miller, Tennessee Williams, Edward Albee, Enda Walsh, Marguerite Duras, Heiner Müller e Pier Paolo Pasolini.

A.M. Pires Cabral, Daniel Jonas, Luís Quintais, Abel Neves, Victor Aguiar e Silva, João Barrento e Jorge de Sena, Brodskii, Luis Cernuda, Martin Amis, Roberto Calasso, Doris Lessing, R.W. Fassbinder, Christa Wolf, Simone Weill estão entre autores publicados, nas colecções Ensaio, Ficção, Poesia.

Nos clássicos, encontram-se Homero, Virgílio, Ovídio, Apuleio, Petrónio, Horácio, entre muitos mais.

O Curso Breve de Literatura Brasileira, coordenado por Abel Barros Baptista, reuniu Machado de Assis, João Cabral de Melo Neto, Nelson Rodrigues, Drummond de Andrade, Clarice Lispector, que se juntaram a outros autores de língua portuguesa como André e Sérgio Sant"Anna, Bernardo Carvalho, Tatiana Salem Levy, entre muitos outros dos dois lados do Atlântico.

Em Fevereiro, a Cotovia anunciou o encerramento da loja, na rua Nova da Trindade, em Lisboa, e transferiu a venda para o seu site.

Ao longo dos meses de confinamento, o sector livreiro foi dos mais afectados pelas medidas de contenção, com o encerramento de livrarias e a paralisação do mercado editorial.

Na primeira semana do estado de emergência, de 16 a 22 de Março, a venda de livros caiu 65,8%, em termos homólogos, segundo números do painel de vendas Gfk, divulgados pela APEL no início de Abril.