IndieLisboa: cinco filmes a não perder, por quem os viu (mas não escolheu)
Não são programadores, mas estão em todo o lado no IndieLisboa. E viram muitos dos 240 filmes que integram a 17.ª edição do festival de cinema, que decorre de 25 de Agosto a 5 de Setembro, em Lisboa. Cinco elementos da organização do festival dão as suas recomendações.
La Noire De..., de Ousmane Sembène
Retrospectiva Ousmane Sembène
A elegância desta obra-prima de Sembène só intensifica a análise que do seu olhar podemos fazer. Como em quase tudo na nossa sociedade, num mundo já pós-colonial onde a opressão continua a reinar, o preto e o branco misturam-se num cinzento frustrante e sofredor. Como redefinir aquilo que, na teoria, foi redefinido? Como ajudar a rapariga, que felizmente marca a diferença num lugar estupidamente estandardizado, que vive de uma mala? Como desenraizar o lirismo romântico da alienação do migrante? Sembène parece perguntar, através das suas linhas sofisticadas: ”como é possível continuarmos a ler a branquitude no ecrã sem reacção?” (Susana Bessa, assessoria de imprensa)
The Memory Atlas, de Domenico Centrone
Competição Internacional - Curtas
Uma constelação de fragmentos, uma prisão de factos, a (re)construção de uma vida. Numa dança entre o delírio das memórias e a lucidez das visões, rendemo-nos ao abandono da contemplação do que foi uma vida prisioneira da mente. Tal como Atlas, o titã condenado a carregar com o peso do mundo, os humanos carregam o peso da mente, esse fardo implacável. Uma homenagem ao trabalho inacabado e à vida interrompida do historiador de arte Aby Warburg. De génio e de louco, todos temos um pouco. (Rosalinda Rita, guest office/acolhimento)
Il n’y Aura plus de Nuit, de Eléonore Weber
Competição Internacional - Longas
Uma leitura poética sobre as operações militares em guerras como as do Iraque, Síria ou Afeganistão, onde soldados americanos e franceses controlam a arma e a câmara de um helicóptero com o seu olhar. Aqui, é-nos oferecida a percepção dos mesmos entre filmar ou matar, em situações onde muitas vezes o “suspeito” se encontra na escuridão total. Poderá este “suspeito” ser um civil inofensivo? Este filme analisa uma realidade próxima de nós, onde o sentimento de medo é constante. Através de depoimentos de um piloto anónimo, Eléonore levanta questões morais e sociais, exclusivamente com imagens de uma mira térmica que observa comportamentos questionáveis a grandes distâncias, quase como um olho invisível. (Miguel Canaverde, audiovisuais)
The Moon and the Sledgehammer, de Philip Trevelyan
Retrospectiva 50 Anos Forum Berlinale
“O homem vai inventar coisas para se destruir a si mesmo”, diz a cabeça da família Page, família esta que vive escondida no meio do que parece ser uma floresta, numa casa de campo, conscientemente rejeitando uma vida num mundo moderno, no Sul de Inglaterra. Do ouvido não treinado – que não reage ao som estridente de um piano desafinado – ao som da actividade física que se eleva ao reino da sonoplastia, onde se ouvem tanto os insectos que habitam o mesmo espaço como a tactibilidade do metal quando perto do fogo ou até o podar de rosas, este é um documento de culto valioso sobre um grupo de pessoas. No final, comandando a carruagem de um comboio antigo conduzido com rodas retiradas de um tractor, no meio de uma estrada repleta de automóveis, é importante perguntar se foi o mundo que passou por eles ou se fomos nós que perdemos o rasto do mundo. (André Constantino, coordenação técnica)
Nestor, de João Gonzalez
Novíssimos
A animação, por vezes, aparenta ser o parente pobre do cinema; o trabalho envolvido acarreta diversas dificuldades e o interesse em produzi-la acaba por se desvanecer. É por isso que é tão satisfatório ver a curta-metragem de animação realizada por João Gonzalez na sua passagem pelo Royal College of Arts. Não só possui um tipo de desenho curioso – cada vez mais raro numa altura em que o 3D predomina – com cores subtis que contrastam com sombras carregadas, como nos traz a importante e urgente temática da saúde mental. Pontuado com uma banda sonora trabalhada pelo próprio realizador que intensifica toda a experiência audiovisual, Nestor apresenta-nos o paradoxo de um marinheiro que tem a necessidade de ter tudo no seu devido lugar, algo que em alto mar é certamente um desafio. Para se acalmar, bate com as portas ou com os dedos na superfície mais próxima, sempre com o mesmo ritmo, numa espécie de ritual familiar. Mas como lidar com o descontrolo quando esse mecanismo falha? Um filme assim exponencia o desejo de que mais Novíssimos continuem a singrar e a deixar o seu cunho no cinema nacional e internacional. (Maria Perdigão Pires, acreditações)
Susana Bessa, Rosalinda Rita, Miguel Canaverde, André Constantino e Maria Perdigão Pires/Indie Lisboa