EDP e ex-secretário de Estado Artur Trindade vão ser arguidos no caso das rendas da eléctrica
Artur Trindade, que é presidente do Operador do Mercado Ibérico Portugal, será ouvido pelo juiz Carlos Alexandre, o que significa que o Ministério Público lhe pretende aplicar uma medida de coacção mais gravosa que o simples termo de identidade e residência.
A EDP e o antigo secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, que exerceu funções entre 2012 e 2015, no Governo liderado por Passos Coelho, vão ser constituídos arguidos no caso das rendas da eléctrica. A notícia foi avançada pela RTP, que consultou o processo, e confirmada pelo PÚBLICO. Os interrogatórios devem decorrer até ao final da próxima semana, mas em locais diferentes.
Enquanto Artur Trindade deverá ser ouvido no Tribunal Central de Instrução Criminal perante o juiz Carlos Alexandre, os representantes legais da EDP deverão deslocar-se ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal, numa diligência que será conduzida pelos procuradores titulares do processo, Carlos Casimiro e Hugo Neto.
Tal deixa implícito que o Ministério Público pretende que seja aplicada a Artur Trindade uma medida de coacção mais gravosa que o simples termo de identidade e residência, que basicamente consiste em identificar uma morada para onde é enviada toda a correspondência referente ao processo. Só se justifica que Artur Trindade seja ouvido por um juiz de instrução porque este é o único com competência legal para aplicar medidas de coacção mais gravosas, como uma suspensão de funções, uma caução ou a proibição de contactar outros arguidos.
Contactada pelo PÚBLICO esta segunda-feira de manhã, fonte oficial da EDP disse não querer comentar a informação de que vai ser constituída arguida, justificando que a empresa ainda não foi notificada disso. Já da parte da tarde, a mesma fonte confirmou que a empresa já tinha recebido a notificação, sem acrescentar mais nada.
Recorde-se que o PÚBLICO já noticiou que o presidente executivo da EDP, António Mexia, e o presidente executivo da EDP Renováveis, João Manso Neto, actualmente suspensos de funções, são suspeitos de terem corrompido o antigo secretário de Estado da Energia, que exerceu funções entre 2012 e 2015. É que em 2013 contrataram o pai do então governante, como consultor externo, para integrar o recém-criado Comité de Acompanhamento das Autarquias. O pai de Artur Trindade era o único membro daquele comité com essa qualidade, onde tinham assento apenas administradores e directores da EDP.
Artur Trindade, que actualmente preside ao Operador do Mercado Ibérico Portugal (OMIP), uma das empresas que tem a função de gerir os mercados energéticos na Península Ibérica, ainda não é arguido deste caso. Mas os procuradores já se referiam a ele como “suspeito” em documentos do processo a que o PÚBLICO teve acesso.
O Ministério Público acredita que Mexia e Manso Neto acordaram com Artur Trindade, ainda este era secretário de Estado, que o indicariam para o OMIP, como contrapartida para que este beneficiasse a EDP no que lhe fosse possível, enquanto estivesse no executivo.
Fazem parte do inquérito vários emails trocados entre funcionários da EDP e responsáveis da eléctrica a combinarem as indicações que iriam transmitir ao governante antes da aprovação de determinados diplomas, que tinham implicações nos interesses daquela empresa. Ou mensagens de correio electrónico entre membros do gabinete de Artur Trindade e elementos da EDP a darem conhecimento de projectos de diplomas ainda não aprovados. Tal aconteceu, por exemplo, a 9 de Janeiro de 2014, quando um técnico do gabinete do secretário de Estado enviou um email a um funcionário da EDP “para apreciação e comentários (a título informal)” do projecto de um decreto-lei e de uma portaria pedindo ao destinatário “naturalmente reserva”.
A EDP só deverá ser constituída arguida quanto aos factos que se referem a Artur Trindade e não a outros responsáveis públicos que também são suspeitos de terem sido corrompidos pelos administrados da EDP. Isto porque, quanto ao antigo secretário de Estado da Energia, os factos imputados são mais recentes, já estando em vigor a responsabilidade criminal das pessoas colectivas.
Neste caso, o Ministério Público considera, com base em relatórios externos, que a EDP terá sido beneficiada em cerca de 1200 milhões de euros. A maior parte (852 milhões) terá resultado do alegado baixo preço atribuído em 2007 à extensão da concessão, sem concurso público, de 27 barragens, que continuaram a ser exploradas pela EDP e da sobrevalorização nessa mesma altura do valor acordado pelo fim antecipado dos 32 Contratos de Aquisição de Energia. Estes contratos tinham sido celebrados em 1996 para atrair investimento em centrais eléctricas de que o país precisava, mas que o Estado optou por não financiar.