Reino Unido fecha as portas a trabalhadores não qualificados ou que não saibam falar inglês

Governo britânico pretende atrair “os melhores e os mais inteligentes” com sistema de pontos, mas ameaça sectores da enfermagem, restauração e agricultura. Ministra do Interior desafia empregadores a contratarem e investirem nos britânicos “inactivos”.

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Reuters/UESLEI MARCELINO

O Reino Unido irá deixar de aceitar trabalhadores estrangeiros não qualificados, assim como os trabalhadores que não saibam falar inglês. Apresentado esta quarta-feira pelo Governo britânico, o novo sistema migratório por pontos pretende atrair apenas “os melhores e os mais inteligentes”, nas palavras da ministra do Interior, Priti Patel, e deverá entrar em vigor a partir de Janeiro de 2021.

Trabalhadores de Estados-membros da União Europeia e dos restantes países do globo terão o mesmo tratamento e não poderão pedir um visto de trabalho se não tiverem uma oferta de emprego que cumpra, para além, dos requisitos referidos, um salário igual ou superior a 25.600 libras por ano (cerca de 30.734 euros).

Downing Street diz que esta medida visa forçar os empregadores a prescindirem da “mão-de-obra barata” vinda de fora e permitir que o país retome o “controlo absoluto” das fronteiras, fazendo cumprir o “Brexit” no qual eleitorado votou em 2016.

A ideia é que as novas regras entrem em vigor no final do período de transição, ou seja, Janeiro do próximo ano. Nos termos do acordo de saída do Reino Unido da UE, continua a haver liberdade de movimento de pessoas e de mercadorias entre os dois blocos até ao final de Dezembro de 2020 – a data-limite para um novo acordo de livre comércio entre Londres e os 27.

Recomendações e críticas

Várias entidades empresariais alertaram para o previsível impacto negativo da política no recrutamento nos sectores da agricultura, hotelaria, restauração e enfermagem. O Governo conservador garante que irá “estar atento às dinâmicas laborais e à escassez de mão-de-obra nos sectores-chave da economia”, mas recomenda que os empregadores invistam nos britânicos que estão “economicamente inactivos”.

“Neste momento há mais de 8,5 milhões de pessoas, com idades compreendidas entre os 16 e os 64 anos, economicamente inactivas. Queremos que as empresas invistam neles, invistam nas suas competências e lhes dêem formação”, repetiu Priti Patel aos vários meios de comunicação britânicos com os quais falou esta quarta-feira.

“Isso complementará o trabalho que estamos a fazer com os mais qualificados e também com os milhões que já cá estão no Reino Unido, por via da liberdade de movimento, para que continuem a apoiar a nossa economia e o nosso mercado laboral”, acrescentou a ministra.

A análise da BBC aos números do Office for National Statistics conclui, porém, que a grande maioria dos 8,5 milhões identificados são estudantes, cuidadores, doentes ou reformados e que menos de dois milhões assumem querer arranjar emprego.

De acordo com o Observatório das Migrações britânico, 21% dos que desempenham funções não qualificadas no sector da construção vêm de outros países europeus, tal como 17% dos trabalhadores em fábricas, 13% dos trabalhadores do sector da preparação da comida, 11% dos condutores e 8% dos trabalhadores da área do lazer.

“O Governo quer apenas reprimir a imigração, não está a pensar na economia como um todo. Tentar atingir metas numéricas nunca funcionou, nem nunca irá funcionar”, criticou a trabalhista e “ministra-sombra” do Interior, Diane Abbott.

“Devemos começar por reflectir sobre aquilo que precisamos para a nossa economia e para a nossa sociedade. A começar pelos seus valores”, defendeu.

Também na oposição, os Liberais-Democratas denunciaram um sistema baseado em “xenofobia”, ao passo que o Partido Nacionalista Escocês insistiu na necessidade de um “visto escocês”, para mitigar os “efeitos devastadores” do plano na sua economia.

As novas regras

Em dez páginas, o Governo britânico delineou um plano que fecha as fronteiras a todos os trabalhadores estrangeiros não qualificados (isto é, cujos requisitos não incluam, no mínimo, o ensino secundário) e introduz um sistema de pontos. Para trabalhar no Reino Unido, o candidato a imigrante terá de somar pelo menos 70 pontos. 

Entre as regras obrigatórias conta-se o “nível de inglês requerido”, que vale dez pontos (apesar de não se definir ainda que nível é esse), uma oferta de trabalho aprovada por um sponsor, que vale 20 pontos, e uma oferta de trabalho adequada ao nível de ensino do candidato, outros 20 pontos.

Estes requisitos fecham a porta a um tipo concreto de imigração barata no Reino Unido, que mudou a sua economia para sempre e foi fundamental para o seu desenvolvimento nos anos 2000, e que é comummente associada ao canalizador polaco – que representa os milhões de imigrantes que vieram da Europa Central e do Leste para preencher lacunas no sector da habitação e da construção civil. 

Totalizados, os níveis obrigatórios somam 50 pontos. Depois há níveis que acrescentam pontos extras, como ganhar acima de 25.600 libras por ano (cerca de 30.734 euros), que vale 20 pontos.

Todas as pessoas que entrem no Reino Unido devem ter uma oferta de emprego em que recebam pelo menos 25.600 libras por ano. Serão aceites as ofertas com salários mais baixos para desempenhar funções em áreas mais necessitadas, como a enfermagem, “caso continue a ser designada como uma área necessitada pelo Comité Consultivo para as Migrações”, lê-se no documento que explica a nova medida. O tecto mínimo para esses casos é de 20.480 libras (sem pontos) ou 23.040 libras (dez pontos).

As fronteiras estarão fechadas aos trabalhadores por conta própria que tentem entrar no Reino Unido: para entrar todos terão de ter um trabalho garantido. Também os estudantes estarão sujeitos às mesmas regras que os trabalhadores e terão de provar que se conseguem sustentar durante toda a estadia no país. Excepção feita aos artistas, desportistas ou músicos que, de acordo com o mesmo documento, vão manter todos os direitos que têm actualmente. 

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