Uma Rampa de lançamento para activar a diáspora cultural do Porto

Artistas e críticos com raízes portuenses e diferentes percursos internacionais juntaram-se para dotar a cidade de um espaço de programação cultural alternativa.

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NELSON GARRIDO
,Arte contemporânea
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Oedipus, de Grada Kilomba
,Arte Moderna
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Tango For Page Turning, de William Kentridge
Artista
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love, unrequited, de Nkiruka Oparah
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The Purge, de Athi-Patra Ruga

Lost Lover, uma exposição que reúne 11 trabalhos em vídeo de artistas de origem africana, inaugura esta sexta-feira o novo espaço Rampa, um velho armazém de 240 metros quadrados no Pátio do Bolhão, no Porto, gerido por uma associação que quer ligar a cidade a redes de criação contemporânea que escapam aos radares mais institucionais e às lógicas de mercado.

Comissariada pela curadora Lara Koseff, nascida em Joanesburgo e radicada em Nova Iorque, a exposição tomou o título dos cartazes que povoam o espaço urbano das principais metrópoles sul-africanas, muitos oferecendo serviços diversos, de curas espirituais a abortos ou intervenções para aumentar o pénis, mas também outros onde se lê apenas Lost Lover e um número de telefone.

Originalmente apresentada em 2018 no Rio de Janeiro, a exposição é complementada no Porto com uma instalação da portuguesa Grada Kilomba, artista visual e teórica de questões pós-coloniais e de género, de que quem será mostrada pela primeira vez na cidade a peça Oedipus, segundo momento de uma série ainda em curso, Illusions, que cruza a mitologia grega com a tradição oral africana. Sucedendo a Narcissus and Echo, de 2017, já mostrada no MAAT, esta revisitação do mito de Édipo chega agora ao novo espaço portuense, onde estará também disponível a recente edição portuguesa do seu livro Memórias da Plantação, lançada há dias no Hangar, em Lisboa.

Lost Lover, que poderá ser vista até 16 de Junho, é um bom exemplo dos propósitos programáticos da associação Rampa 125 – o nome vem do declive que dá acesso ao Pátio do Bolhão, onde a nova galeria ocupa o n.º 125 –, mas também da importância das redes de contactos pessoais que os seus promotores foram estabelecendo nos países onde viveram e trabalharam. Nuno de Campos, artista visual nascido no Porto que vive há mais de 20 anos em Nova Iorque, e que integra a direcção da Rampa, explica que a oportunidade de trazer esta exposição ao Porto passou por uma das associadas, Noémia Herdade Gomes, professora de Desenho na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, que fez um doutoramento sobre o artista sul-africano William Kentridge – o mais internacional dos autores representados em Lost Lover – e viveu um período em Joanesburgo, onde conheceu Lara Koseff.

E a próxima actividade já programada para o espaço Rampa – um screening promovido pela associação Protocinema, de Istambul – envolveu a sua própria mediação. A fundadora da Protocinema, Mari Spirito, “dirigiu durante 17 anos a galeria 303, em Nova Iorque, mas há uns cinco anos saturou-se do mundo dos coleccionadores e das feiras de arte e decidiu abandonar um emprego de sonho para ir viver num T1 em Istambul e criar esta organização que promove o intercâmbio cultural entre o Médio Oriente e o mundo ocidental”, conta Nuno de Campos, que a conheceu nos Estados Unidos. “São projectos deste tipo que se enquadram no que queremos fazer aqui”, acrescenta.

Embora tenha uma direcção, a que pertencem também a consultora cultural Joana Fins Faria, que viveu em Budapeste e São Francisco, e o designer Sérgio Alves, Rampa 125 “é mesmo uma associação, onde todos colaboram”, precisa Nuno de Campos. O núcleo duro conta com uma dezena de associados, que se distribuem funcionalmente para assegurar os pelouros das artes visuais, da performance, do design e arquitectura, e ainda o departamento editorial. Além dos já referidos, esta equipa fundadora integra a curadora Vera Carmo, a crítica de dança e performance Alexandra Balona, colaboradora do PÚBLICO, que trabalhou em Berlim e Zurique, a performer e programadora Ana Rocha, Marianne Baillot, co-responsável do espaço maus Hábitos e do festival Vivarium, o arquitecto Sérgio Rebelo, que trabalhou em Nova Iorque e na Cidade do México, o crítico de design Mário Moura e a produtora Maria Corte-Real.

“Vivemos em grandes metrópoles, por onde passa toda a gente, e as nossas redes são por isso globais”, diz Nuno de Campos, que quer activar a diáspora artística da cidade em torno deste projecto. E a ideia não é apenas trazer ao Porto artistas doutras paragens que os canais mais institucionais tendem a ignorar, mas também “mostrar o que se faz na cidade, nas várias áreas, desde que aborde temas contemporâneos de interesse”. E se a associação está receptiva a apoios, deixa um aviso: “A independência é o meu vício mais caro.”

A exposição que hoje apresenta à cidade este novo espaço reúne 12 artistas – contando como um só a dupla artística egípcio-iraniana de Ghada Amer e Reza Farkhondeh – praticamente desconhecidos em Portugal, com as óbvias excepções de William Kentridge e Grada Kilomba. Muitos deles são originários da África do Sul, outros nasceram nos Estados Unidos mas têm origens familiares em África, como a californiana Nkiruka Oparah ou a nova-iorquina Thenjiwe Niki Nikosi.

Lara Koseff explicou ao PÚBLICO que a escolha dos artistas foi muito condicionada pelo contexto original da exposição, no exterior do espaço alternativo Lanchonete, no Rio de Janeiro. “Quando trabalhava para uma galeria na África do Sul, fui ao Brasil conhecer artistas e fiz lá uma boa amiga, que me convidou para conceber um programa no bairro da Gamboa, no Rio de Janeiro”, conta a curadora. “Era uma zona onde aportavam os barcos com escravos e que funcionou como um cemitério – há muitos escravos enterrados por baixo daquelas ruas –, mas que é hoje também um local muito gentrificado, e interessaram-me essas contradições”, explica. “Vivia ali gente que não tinha nenhuma ligação com a arte africana, nem com a vídeo-arte, e quando escolhi estes filmes, todos eles muito breves, foi pensando naquele contexto.”

Um cenário que agora se altera. Mas a curadora, que acabara de chegar ao Porto, diz que passou “tanto tempo no Brasil, e também em Moçambique”, que já sentia “uma estranha ligação à cultura portuguesa” antes mesmo de conhecer o país. E gostou do espaço do Rampa, que sofreu apenas as obras estritamente necessárias e mantém o seu aspecto de armazém decadente, com o reboco das paredes a estalar e muitas zonas de cimento à vista.

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