“Beto” O’Rourke, o progressista moderado que quer derrotar Trump
Jovem, alto, com um ar vagamente kennediano e um optimismo próprio do “Yes, we can”, o democrata anunciou no Texas que é candidato às presidenciais de 2020.
Há uma semana, Robert “Beto” O’Rourke, o carismático candidato democrata ao Senado nas eleições de Novembro passado, comunicou que já tinha tomado uma decisão. Nos últimos dias, a grande imprensa americana começava a impacientar-se com o seu silêncio. Se já decidiu, por que razão não anuncia?
Nesta quinta-feira, finalmente, anunciou: será candidato às presidenciais de 2020. O facto vai fazer mover rapidamente as peças no campo superlotado das potenciais candidatura democratas. Beto, como é conhecido este americano de origem irlandesa que vive em El Paso, junto à fronteira com o México, foi a estrela democrata das eleições intercalares para o Congresso de Novembro passado, mesmo que tenha perdido para o ultraconservador Ted Cruz (48%-52%), num Estado que está nas mãos dos Republicanos há três décadas. A última vez que deu a maioria a um candidato democrata à Casa Branca foi em 1976, com a eleição de Jimmy Carter.
É facilmente explicável o entusiasmo gerado à volta da sua candidatura. É jovem (46 anos); a sua figura faz vagamente lembrar outro irlandês de nome John Kennedy; consegue fugir ao mainstream de Washington; fez uma campanha a muitos títulos inovadora, que mobilizou muita gente e que não seguiu um guião pré-determinado do Partido Democrata – nem da sua ala esquerda, hoje representada por vários candidatos a candidatos, nem a sua ala moderada.
“Beto diz o que pensa”. Foi a observação mais ouvida sobre a sua campanha, que percorreu todas as cidades e vilas do grande Estado americano, que realizou milhares de town-halls quase sempre pejados de gente, que revelou uma enorme capacidade para angariar fundos, o que continua a ser muito importante em qualquer campanha política americana (38 milhões de dólares nos quatro meses anteriores à eleição, sobretudo de pequenos doadores, ultrapassando facilmente Cruz). Os republicanos – em Washington e no Texas – ficaram preocupados ao ponto de o Presidente Donald Trump, cujo ódio ao senador republicano se tornou lendário, ter ido ao Texas apoiar Cruz.
A notícia tornou-se oficial na manhã desta quinta-feira nos EUA, com o lançamento de um vídeo no qual O’ Rourke anuncia que será candidato. “Este é um momento da verdade decisivo para o nosso país e para cada um de nós. Os desafios que enfrentamos, as crises interligadas da nossa economia, da nossa democracia e do nosso clima, nunca foram maiores. Ou acabam por consumir-nos, ou dão-nos a maior das oportunidades para libertar o génio dos Estados Unidos da América.”
A edição da Vanity Fair com data de Abril tornada publicada na quarta-feira dava-lhe a capa e uma longa conversa, na qual Beto já admitia a sua candidatura: “Pode dizer com alta probabilidade que quero concorrer. Quero. Creio que posso ser bom nisso.”
Injecção de centrismo
A expectativa crescente em relação à sua candidatura tinha ainda outra motivação: quebrar o domínio da ala esquerda do Partido Democrata na longa lista de potenciais candidatos que já anunciaram a sua intenção. O Financial Times classificava-o nesta quinta-feira como um “progressista moderado”. A imprensa americana nem sempre sabe onde encaixá-lo, mas estabelece uma diferença. No passado dia 12, Matt Viser assinava uma coluna no Washington Post, escrevendo: “O’Rourke e Biden, se se candidatarem, vão injectar algum centrismo num campo democrata muito inclinado para a esquerda”.
Joe Biden é ainda uma incógnita. O vice-presidente de Obama, de 76 anos, tem dado sinais muito fortes nos últimos dias de que poderá avançar. As sondagens mostram que ainda é muito popular. O contraste com O’ Rourke não poderia ser maior e não apenas por causa da idade.
A imprensa comenta que o velho Senador do Delawere, como uma carreira quase tão longa como a idade do seu eventual rival, carrega consigo uma carga politica demasiado pesada, incluindo inevitáveis erros e contradições. O’Rourke peca por uma carga demasiado leve: apenas dois mandatos no Congresso. Para alguns uma enorme vantagem, para outros, uma preocupante falta de solidez.
Mas, se nos lembrarmos da carreira política de Donald Trump, inexistente, a solidez do curriculum pode não ser fundamental. Ambos, Biden e Beto, cultivam o desejo da moderação para unir os americanos. “O extremismo está em ascensão neste país”, diz Biden. Beto quer chegar aos que votaram em Trump. O seu maior contraste com o repetente Bernie Sanders ou a experiente Elizabeth Warren não está apenas no tom mais moderado. Os dois candidatos democratas traçam um quadro negro do estado do país. O’Rourke preocupa-se em passar uma imagem de “optimismo e de unidade”, como escreve também Viser. Neste capítulo, o modelo é Obama e o seu “Yes, we can”. Disputa com Biden a herança do anterior Presidente, que lhe deu vários sinais de apoio durante a campanha para o Senado. Obama, que continua a ser o mais amado pelos americanos, já disse que não apoia ninguém durante as “primárias”.
Uma cara nova
O que pensa exactamente o candidato do Texas? Já prometeu durante a campanha para o Senado uma reforma profunda do sistema de justiça criminal e das políticas de imigração, opondo-se ao muro que Trump prometeu construir na fronteira com o México.
Fluente em espanhol, conhecendo a realidade da imigração num Estado onde ela existe desde sempre e que dificilmente funcionaria sem ela, Beto tem um excelente acolhimento entre a população hispânica, mesmo a mais conservadora. Escreve o Washington Post que deve ser o mais pró-imigrantes dos candidatos no terreno e o mais contundente no combate ao “nacionalismo nativista e xenófobo” de Trump.
A comunidade afro-americana, que se vê como a principal vítima de um sistema criminal injusto, será facilmente atraída por ele. Outra das suas bandeiras é defender um sistema de saúde universal, indo porventura mais longe do que o próprio Obama. Larry Sabato, professor da Universidade da Virgínia, diz ao Financial Times que O'Rourke é “tremendo em campanha”, mas questiona-se se vai ser capaz de “voltar a capturar a luz dentro da garrafa pela segunda vez”. “Tudo aquilo que é preciso num político, ele tem”, diz Sabato, mas também tem um “curriculum curto e é ambíguo em vários domínios.” Outros analistas consideram estes defeitos virtudes, sobretudo na era Trump. É uma cara nova para a maioria dos americanos, ainda pouco conotada com Washington, onde esteve apenas dois mandatos.
Beto confessa à Vanity Fair o que considera uma das suas maiores vulnerabilidades – ser um homem branco num Partido Democrata em busca de uma mulher ou de alguém de cor. A californiana Kamala Harris faz o pleno. Cory Booker é negro. “Compreendo perfeitamente as pessoas que tomem a sua decisão partindo do facto de praticamente todos os nossos Presidentes terem sido homens e brancos, e que queiram alguma coisa de diferente para o país”.
"Ligeiramente” diferente
Elogia Sanders e Warren por contribuírem para o debate nacional sobre os cuidados de saúde para todos ou sobre a protecção dos consumidores, Apresenta-se, no entanto, com sendo “ligeiramente” diferente: “Alguém que quer unir, que quer ouvir e aprender até do mais recalcitrante dos eleitores da direita e trabalhar com os Republicanos”. “Se eu trouxer alguma coisa de novo, creio que é a minha capacidade para ouvir as pessoas, para ajudar a uni-las de forma a conseguirem alguma coisa que pensavam ser impossível”, diz à Vanity Fair.
De uma geração já diferente da de Obama, que viveu ainda a influência dos baby boomers, Beto tem outras referências. E não só por ter tocado numa banda Punk. Em Fevereiro passado, poucos dias antes de Trump ter visitado El Paso para reunir as hostes a favor da construção do muro, O’Rourke comparou a batalha contra o Presidente “ao mais épico dos filmes que vocês [os estudantes da Universidade do Texas] alguma vez viram, da Guerra das Estrelas ao Senhor dos Anéis”.
De que massa é feito o novo candidato a derrotar Trump em 2020, ver-se-á em breve.