O desafio é entrar num palacete em pleno Príncipe Real, em Lisboa, receber um copo, conhecer pessoas novas e ouvir música ao vivo. O franco-brasileiro Pierre Aderne é o anfitrião, mas com ele podem estar músicos de qualquer canto do mundo ou da cidade. As tertúlias musicais da Rua das Pretas, é assim que se chama este projecto, saíram de casa do artista e abriram-se ao público. Esta quarta-feira é lançado o disco Wine Album que tem a particularidade de cantar o amor e o vinho e de ser vendido em garrafeiras pois vem acompanhado de uma garrafa criada por Dirk Niepoort.
Foi há uns dez ou 12 anos que o cantor começou a fazer saraus em casa, então no Rio de Janeiro. “Recebi alguns portugueses e quando vim para Portugal em 2011, para filmar um documentário, aluguei uma casa no Poço dos Negros e era aí que aconteciam os saraus. Depois mudei-me para a Rua das Pretas e o [fotógrafo] Alfredo Matos fazia as fotos e usava a hashtag #RuadasPretas, as pessoas seguiam e começaram a ficar interessadas. Um dia decidimos abrir a casa ao público e apareceram umas 30 pessoas. Um dos meus amigos tinha este espaço [no Príncipe Real] e há um ano que começamos a fazer aqui”, conta o cantor, sentado num cadeirão branco de verga, confortavelmente decorado com almofadas e panos coloridos.
É ali que recebe os seus convidados a quem, mal entram e sobem os degraus que os leva à sala com lareira, recebem um copo de pé. “O vinho ajuda a contar a história”, explica. E assim, além dos músicos, dos artistas e dos escritores “também os produtores de vinho começaram a frequentar” a Rua das Pretas, continua. “Estes encontros nunca são estáticos”, sublinha Aderne.
Além de não serem estáticos, também não são fixos. Aderne divide-se entre Lisboa e o Porto, mas também viaja até Paris e Nova Iorque. Agora, Londres e Madrid vão fazer parte do seu percurso. “Viajo com quatro músicos, uma fadista e uma cantora brasileira. Chegando lá, convido as pessoas.” É assim o projecto, que é uma “festa de música e de vinho”. “É muito interessante porque todas as noites o concerto é diferente. O vinho é o quinto elemento da banda.”
Ao palacete chegam cerca de oito dezenas de pessoas que se sentam em caixas de vinho, com as almofadinhas coloridas. “Não é um show, mas uma festa que se faz em casa. É um formato [que promove] a intimidade”, explica. Há entradas para petiscar assim que se entra e no final da primeira parte é servida uma refeição quente. É uma experiência Airbnb Music e custa 50 euros. A maior parte dos que passam pela Rua das Pretas são turistas.
Depois de tantas tertúlias – por ali já passaram 140 artistas portugueses e estrangeiros, 4000 já fizeram a experiência e foram abertas mais de 1700 garrafas de vinho –, há um ano, Aderne estava com Niepoort no Douro e pensou: “Está na hora de fazer um álbum temático e fazer do vinho o mote principal do disco – canções acerca do amor e do vinho.”
O autor convidou alguns músicos, foi para Nova Iorque, alugou uma casa. “O Dirk [Niepoort] veio com a gente.” Durante duas semanas o que fizeram foi: “Compor, cozinhar, cantar, abrir garrafas e gravar”, descreve. A produção ficou a cabo de Hector Castillo, vencedor de oito Grammys, e dos compositores e músicos Brian Cullman e Tanner Walle. O disco foi terminado em Lisboa.
Depois disso, Aderne pensou na distribuição. “Eu sinto a música mais próxima de uma garrafeira do que de uma loja onde se vendem electrodomésticos”, diz, lamentando a diversidade de produtos que lojas como a Fnac ou a Worten oferecem. Um CD e uma garrafa de vinho é a proposta de Aderne e de Niepoort – que criou dois tintos, um do Douro e outro da Bairrada, dois brancos, um do Douro e outro da região do Alto Minho. Os rótulos foram criados pelos artistas plásticos brasileiros Gonçalo Ivo e Rubem Grilo.
São oito mil discos e oito mil garrafas (20 euros), mas é possível comprar três também com o CD (60 euros). De futuro haverá um código de download impresso nas rolhas que poderá ser descarregado para ouvir o álbum, informa o autor. Aderne está curioso para saber “se esta loucura resulta”, a da venda em garrafeiras, wine bars e restaurantes. Por agora, já há pedidos para fazer chegar o kit a Nova Iorque e a Paris. Portanto, esta ideia pode ajudar à “inclusão do vinho português em lugares em que não estaria se não tivesse a música [associada] e vice-versa”, defende.