Só um quinto de um dos habitats mais preciosos do Sudoeste está em bom estado

No início da década de 1990 existiam no Sudoeste alentejano cerca de 300 charcos mediterrânicos. Em 2018 o seu número baixou para 133 e pode reduzir-se ainda mais.

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Rui Gaudencio

O seu ritmo é o das estações. Poucos dão por eles e ainda menos sabem da riqueza em termos de vida que aqueles charcos que existem no Sudoeste alentejano podem albergar. Característicos do clima mediterrânico, secam no Verão e enchem-se no Inverno, dando abrigo a espécies que, face a estas características inconstantes, são extremamente raras e únicas. Mas estes habitats estão a desaparecer e já só 20% estão em bom estado de conservação.

Esta é a principal conclusão do projecto Life Charcos que foi iniciado em 2013 nas charnecas do concelho de Odemira e no planalto de Vila do Bispo e que terminou no final de Setembro. A intervenção foi coordenada pela Liga para a Protecção da Natureza (LPN). Neste período de tempo, foram identificados 133 charcos temporários mediterrânicos, mas o estado em se encontram estes habitats naturais, cada vez mais raros, não é muito animador. “Só menos de 20% é que apresentam um estado de conservação favorável”, reconheceu ao PÚBLICO Rita Alcazar, dirigente da LPN.

No concelho de Odemira foram cartografados 94 charcos, em Aljezur oito, Vila do Bispo 28 e em Sines três. O seu tamanho pode variar entre 50 metros quadrados e 7,3 hectares. A maioria (121) localiza-se em terrenos privados. 

Num estudo efectuado por Mário Ferreira e Pedro Beja, biólogos do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto (Cibio), no período que ocorreu entre 1991 e 2009, aquela zona já tinha perdido 56% dos charcos temporários. “Destes, 89,3% foram destruídos por actividades agrícolas como o cultivo intensivo e a drenagem dos solos. Muitos lagos naturais foram transformados em charcos permanentes, para irrigação. Outros deram lugar a estufas”, apesar de ali se encontrarem alguns dos principais núcleos de charcos temporários a nível nacional, acrescenta Rita Alcazar.

“Há muito trabalho a fazer”, refere a dirigente da LPN, frisando que o projecto Life Charcos permitiu “melhorar a cartografia do território onde estão localizados, uma mais-valia que nos faculta agora um mais profundo conhecimento deste tipo de habitat.”

Durante o desenvolvimento do projecto, foram realizadas intervenções em 26 charcos para compreender a melhor forma de fazer a sua gestão, analisar o seu estado de conservação e sobretudo interpretar a sua resiliência às alterações climáticas. Nos que resistem, verificam que há um aumento no número das espécies. “De qualquer modo, demora ainda algum tempo até se perceber qual a resposta da natureza”, observa Rita Alcazar. Só num ano a cada cinco é que se registou precipitação em condições suficientes para assegurar o equilíbrio do habitat. O charco temporário, como o próprio nome indica, vive da chuva. A biodiversidade que acolhe é abundante: 248 espécies de plantas, seis espécies de crustáceos grandes branquiópodes (12 espécies ocorrem em Portugal continental), dez espécies de anfíbios (das 19 que ocorrem em Portugal continental) e 17 espécies de morcegos (das 26 em Portugal continental). 

Evitar a destruição

Agora, concluído o projecto, são as universidades de Évora e do Algarve que irão prosseguir com a monitorização e acompanhamento dos charcos. “Não conseguimos novos financiamentos para dar continuidade ao trabalho que iniciámos em 2013. Não temos recursos para tal.” Resta saber se, com a cartografia efectuada, e que permitiu localizar os 133 charcos, as autoridades como a GNR, Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo e Direcção Regional de Agricultura do Alentejo “podem impedir a sua destruição”, afirma a dirigente da Liga. Porque persiste o risco de os charcos poderem vir a ser aproveitados para a actividade agrícola. 

Rita Alcazar defende a aplicação de medidas agro-ambientais ou de compensações que possam apoiar os agricultores de forma a estes salvaguardarem os charcos. Como? Um exemplo: um agricultor que tenha na sua exploração um charco e deseje preservá-lo por se tratar de um habitat prioritário protegido por uma directiva comunitária pode ser apoiado pelo Ministério da Agricultura por não o incluir na área cultivada. Para alguns agricultores, “as áreas ocupadas pelos charcos significam perda de rentabilidade”, refere Rita Alcazar. Frisa que “uma das alternativas para obstar à sua destruição passa por sensibilizar as crianças. O efeito reflecte-se nas famílias e estas começam a descobrir que um charco, afinal, não é apenas uma inconveniente poça de água mas antes um manancial de vida”.

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