Fotografia
A relação “olhos nos olhos” de um fotógrafo com uma comunidade cigana
João Pedro Santos tinha um trabalho para fazer e uma “curiosidade” à espera de ser satisfeita. Queria ver como vivia a comunidade cigana que, quando ele era um menino de dez anos, foi obrigada a deixar Francelos. Quatro meses depois, o curso no Instituto Português de Fotografia, no Porto, já está concluído (“com sucesso”, aponta), mas a curiosidade inicial cresceu para uma “amizade profunda” pela comunidade que o “recebeu sem reservas”. E o projecto fotográfico “está longe de ter um fim”.
João continua a visitar “quase diariamente” as pessoas que aqui retrata, agora como voluntário num projecto de inserção social direccionado às crianças e jovens do Bairro do Olival, em Vila Nova de Gaia. Descobriu a história, por acaso, numa reportagem publicada no PÚBLICO. Em 2001, a jornalista Ana Cristina Pereira escrevia: “Viviam, com as 27 famílias, em barracas de zinco erguidas num terreno contíguo à Avenida de Francelos. Foi por ordem do Tribunal de Justiça, e num clima de tensão fortemente favorecido pela presença de um gigantesco aparato policial, que se transferiram provisoriamente para a Serra do Pilar. E foi sob grandes protestos da população local que, em Setembro último, foram instalados ali, no Bairro de Olival.”
Passaram-se 17 anos e as crianças de então, mencionadas na reportagem, são agora os pais das crianças retratadas no trabalho de João Pedro Santos. Que não esconde: “Entrei no bairro à procura de fazer justiça para aquelas famílias, marcadas pela xenofobia”, declara. Começou a estabelecer uma relação com as crianças — "que não sabem mesmo mentir" — e com elas calcorreou as casas todas do bairro. "Está nelas o ponto de viragem", acredita. A quem questionava as suas intenções, explicava-se. "Nunca me leram a sina, nunca vi uma arma, nunca me senti em perigo."
De um trabalho fotojornalístico, sobre o passado e o presente, “passou a um trabalho documental para mostrar um futuro". “Quero mostrar ao Diogo, daqui a uns anos, que ele se vestia assim.” Quer apoiar a Teresa, que lhe confessou querer ser cantora, para logo depois emendar: “Mas sei que não vou ser porque sou cigana.” E quer expor, através da fotografia, o mesmo que respondeu a um dos adultos, quando ele, "olhos nos olhos", lhe perguntou: “João, és um ‘pajo’ [homem branco] no meio de ciganos. Estás aqui connosco há quatro meses. Diz-me, és capaz de falar mal de um cigano?”.