DGS apagou menção a gays como grupo de risco porque normas são “documentos vivos”
Em causa documento que define critérios para avaliar quem dá sangue. Francisco George diz que normas são "documentos vivos": “Se os especialistas não estão confortáveis com uma versão, muda-se”. BE pede “clarificação”.
Em dez dias a Direcção-Geral da Saúde (DGS) mudou de opinião sobre os critérios de dádiva de sangue por homossexuais e bissexuais. A 6 de Fevereiro, aquela entidade publicou uma norma clínica em que classificava “homens que têm sexo com homens” (HSH) como “subpopulação” com “risco infeccioso acrescido” e “elevada prevalência de infecção por VIH”. Uma nova versão com a data desta quinta-feira faz desaparecer aquela classificação.
A mudança no texto foi detectada nesta sexta-feira de manhã. Depois de nesta semana o PÚBLICO ter questionado José Alexandre Diniz, director do Departamento da Qualidade na Saúde, acerca da norma de 6 de Fevereiro, que se encontrava publicada no site da DGS, um novo documento digital, em formato PDF, foi divulgado no mesmo local, com uma norma diferente, mas sem informação sobre a existência de versões anteriores.
Ao PÚBLICO, o director-geral da Saúde, Francisco George, garantiu nesta sexta-feira ao fim dia que a alteração é da lavra da DGS e não teve qualquer interferência da tutela, dúvida que poderia existir depois de há dias a associação de minorias sexuais ILGA Portugal ter pedido publicamente ao ministro da Saúde que actuasse no sentido de a expressão HSH ser retirada da norma. “As normas clínicas não são resultado de decisões administrativas, políticas ou legislativas, são resultado de decisões unicamente assentes em fundamentação cientifica”, afirmou o director-geral. “Não falei com o senhor ministro, nem nunca ele iria dar orientações.”
A norma em causa já conheceu três versões. Foi originalmente publicada a 19 de Setembro do ano passado e pela primeira vez em quase 20 anos autorizou parcialmente a dádiva de sangue por homo e bissexuais. Depois de um período de consulta pública, que terminou a 19 de Outubro, a DGS redigiu novo texto e publicou-o a 6 de Fevereiro. A terceira versão tem data de dia 16.
Francisco George considerou que as normas “clínicas são documentos vivos, não fechados” e “se os especialistas não estão confortáveis com uma versão, muda-se”. “Às vezes até se muda duas vezes no mesmo dia, é uma situação perfeitamente normal, o que prevalece é a data mais recente que surge nos documentos”, sublinhou.
Três versões
O texto de 19 de Setembro, que esteve em discussão pública, dizia que quem tivesse tido “parceiros portadores de VIH” ou “contacto sexual” com pessoas “pertencentes a subpopulações com risco infeccioso acrescido” só poderia dar sangue 12 meses depois dessas ocorrências e se elas entretanto não se repetissem. Estas “subpopulações” eram textualmente referidas: “Nomeadamente utilizadores de drogas e trabalhadores do sexo.”
A norma de 6 de Fevereiro mantinha o prazo de 12 meses de suspensão, mas alargava o conceito de “subpopulações”: “As subpopulações com elevada prevalência de infecção por VIH que foram avaliadas em Portugal, em estudos realizados no ano de 2012, incluem os trabalhadores do sexo e os utilizadores de drogas injectáveis e homens que têm sexo com homens.”
Finalmente, na norma mais recente, com data de 16 de Fevereiro, lê-se que estão afastados da dádiva por 12 meses os “indivíduos que mantiveram contacto sexual com indivíduo(s) com risco infeccioso acrescido”. A alínea que descrevia “subpopulações” foi eliminada e deu lugar a uma nova redacção: “O(s) indivíduo(s) com risco infeccioso acrescido para agentes transmissíveis pelo sangue foram avaliados em Portugal, em estudos realizados no ano de 2012, no entanto evidência mais recente, a nível nacional e internacional, tem demonstrado que o risco acrescido varia de país para país. Por esta razão vai ser iniciado um estudo de investigação para avaliar o nível de risco no contexto cultural e social português.”
HSH, trabalhadores do sexo e utilizadores de drogas deixaram de constar, mas não é claro se estão implicitamente suspensos por 12 meses. Não foi possível esclarecer este aspecto junto do director-geral da Saúde.
O Bloco de Esquerda, que desde há anos considera discriminatória a referência à orientação sexual nos critérios de triagem, dirigiu na sexta-feira uma pergunta escrita ao Governo pedindo uma “clarificação”. A pergunta pretende também esclarecer qual o prazo e forma de financiamento do estudo referido na mais recente versão da norma. A ILGA informou ter pedido uma “reunião de urgência” com o ministro da Saúde.