Um Trump a menos em Atlantic City, a cidade onde os casinos vão para morrer

É impossível desligar o nome do magnata nova-iorquino, que agora quer ser Presidente dos Estados Unidos, da grandeza e pobreza deste lugar visitado por milhões de jogadores.

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Alexandre Martins

Lá dentro, as luzinhas das máquinas de fazer e desfazer dinheiro ainda acendem e apagam, à espera que os fantasmas dos jogadores saiam dos esconderijos do casino Trump Taj Mahal ao cair da noite, mas os cartazes colados nas portas da entrada principal cortam a imaginação pela raiz: “Encerrado. Não entrar. Em caso de emergência contactar o 609 449-6300.” A 8.ª maravilha do mundo, como Donald Trump lhe chamou na inauguração, em 1990, fechou há menos de um mês, e Atlantic City mergulhou ainda mais num poço de desemprego e depressão, cada vez mais longe dos dias de prosperidade e esperança que chegaram com os casinos, os hotéis e os épicos combates de Mike Tyson.

À entrada do Trump Taj Mahal, à volta da pequena rotunda por onde passaram milhões de visitantes nos últimos 26 anos, estão paradas dez limusinas, três brancas e sete cinzentas, da cor que tomou conta de Atlantic City nos últimos dois anos, desde que os casinos começaram a fechar ao ritmo das slot machines.

O único sinal de que não estamos na Pompeia do jogo é um segurança que aparece ao fim de dez minutos, e que insiste em gritar várias vezes “keep moving”, apesar de termos ouvido à primeira. É só mais uma fotografia, se não se importa. “Keep moving!

O primeiro casino a fechar foi o Atlantic Club, em Janeiro de 2014, depois o Showboat, o Reve e o Trump Plaza, todos entre Agosto e Setembro do mesmo ano. Há três semanas e meia, mais precisamente às 5h59 da manhã do dia 10 de Outubro, como se lê num enorme cartaz encostado a um pilar e amparado por sacos de areia, foi a vez desta que já foi a jóia da coroa do jogo em Atlantic City: o Trump Taj Mahal.

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Cartaz anuncia encerramento do casino Trump Taj Mahal Alexandre Martins

Aos oito mil que ficaram desempregados em 2014 juntam-se agora mais 2800, depois de uma greve de 102 dias iniciada a 1 de Julho. Durante esses quase três meses e meio de greve e manifestações, os cerca de mil trabalhadores sindicalizados do Trump Taj Mahal travaram um braço de ferro com o actual proprietário do casino, o magnata Carl Icahn. Mas o amigo que Donald Trump gostaria de ter como seu responsável pela Economia na Casa Branca fartou-se de exigências – como a reposição dos seguros de saúde – e mandou fechar as portas.

Apesar de o casino ser controlado por uma subsidiária de Carl Icahn chamada Trump Entertainment Resorts, o que resta de Trump no Taj Mahal é apenas o nome, depois das falências que o seu império de casinos foi somando nas décadas de 1990 e 2000.

Mas é impossível apagar o nome de Donald Trump assim de um dia para o outro, e desligá-lo desta cidade banhada pelo Atlântico no estado de Nova Jérsia que em tempos foi a única rival de Las Vegas, agigantada pelas praias e pelo seu icónico boardwalk.

Herói ou vilão?

Para uns, Trump é o homem que deu uma nova vida a Atlantic City há 32 anos, quando olhou para estas ruas imortalizadas no jogo Monopólio e decidiu abrir três casinos em apenas seis anos, depois de ter posto a última pedra na sua Trump Tower em Nova Iorque; para outros, é o aproveitador que prometeu mundos e fundos, enganou pequenas empresas e pôs-se a andar com os bolsos cheios assim que as coisas começaram a dar para o torto, deixando atrás de si casinos e hotéis a mais para terem um futuro a longo prazo.

Na sede do sindicato Unite Here em Atlantic City, no n.º 1014 da avenida com o mesmo nome da cidade, a recepcionista Carmen Moses vai atendendo chamadas enquanto oferece bolachas a quem entra para esclarecer uma dúvida ou pedir ajuda para se candidatar a um novo emprego. Estão todos muito ocupados, e o responsável por esta delegação, Bob McDevitt, está neste momento em negociações – "se não se importa fala com o Ben que é quem organiza aqui o pessoal".

Benjamin Albert está lá fora, encostado ao carro, a aproveitar os últimos raios de sol de um Novembro primaveril, e não perde tempo a disparar contra Carl Icahn e o seu amigo Donald Trump. “Os trabalhadores tentaram resolver as coisas durante dois anos com o Carl Icahn, que é amigo do Donald Trump, mas ficaram sem alternativas e tiveram de lutar pelos seus postos de trabalho. O Taj Mahal não tinha de fechar, o Carl Icahn tomou essa decisão porque viu que os trabalhadores estavam a lutar pelos seus direitos e decidiu pegar nos seus brinquedos e voltar para casa”, diz Benjamin Albert.

E Donald Trump, saiu chamuscado? “Sim, isto tem tudo a ver com ele”, atira o sindicalista. “Muitas pessoas aqui foram lixadas pelo Donald Trump, e sabem que ele gostava de ver o Carl Icahn como secretário do Tesouro. Não é essa a América em que eles querem viver. Há uns poucos que vão votar no Trump, e eu não percebo porquê, mas diria que 90% não o apoiam. A Hillary Clinton veio cá apoiar a greve, falou com as pessoas, e isso fez uma grande diferença. Os trabalhadores não esquecem isso.”

Mas quanto mais nos afastamos do sindicato, mais a memória do Donald Trump magnata dos casinos em Atlantic City se vai esfumando. Afinal, como defendem alguns dos donos de lojas no boardwalk – quase tão fantasmagórico nesta época do ano como a entrada do Trump Taj Mahal – ele já não conta para os negócios da cidade e a culpa é dos sindicalistas.

Todd Lovitz está sentado a ouvir “Light My Fire” dos The Doors na sua loja de t-shirts e outras recordações Pier 21, “gerida e detida por americanos com muito orgulho há mais de 66 anos”. À primeira vista parece um hippie de 65 anos cristalizado nos tempos dos protestos contra a guerra do Vietname, e foi isso mesmo que ele fez quando andava na universidade. Mas depois apareceu Ronald Reagan e o jovem revolucionário foi-se transformando num patriota à John Wayne, que também tem o seu lugar neste famoso passadiço, na forma de um cartaz da Foundation for a Better Life com frases supostamente inspiradoras: “Don’t much like quitters, son.

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Entre réplicas das cartas de condução de Elvis Presley, Marilyn Monroe e Kurt Cobain, uma licença de artes marciais de Bruce Lee e certificados de lendas do rock de Jim Morrison e Bruce Springsteen, destacam-se as t-shirts de apoio a Donald Trump e contra Hillary Clinton. Logo à entrada, um Trump com um forçado penteado à Clark Kent rasga o fato de homem de negócios e revela o símbolo do Super-Homem, em segundo plano três arranha-céus só para reforçar a imagem de sucesso. Mesmo ao lado, uma sweat-shirt preta com uma frase dividida ao meio pela bandeira dos Estados Unidos, e que podia muito bem ser um dos lemas de campanha do candidado do Partido Republicano: “Se te sentiste ofendido, ajudo-te a fazer as malas.”

Lovitz desce do balcão e fica à conversa de pé, entre um cantinho dedicado aos The Beatles e uma daquelas mantas que também podem servir de cachecol onde sobressaem as letras brancas sobre um fundo negro: “Bem-vindo à América. Agora também falamos inglês!”

A primeira frase de Todd Lovitz indicia que vai sobrar para todos: “A campanha está a ser de doidos.” Mas a segunda põe os pontos nos H e nos C: “Acho que a Hillary Clinton devia estar na cadeia.”

E já que meio nundo está a fazer refresh no computador à espera da sondagem mais recente, o que diz a sondagem da venda de t-shirts na loja de Lovitz? “Eu vendo t-shirts do Trump e da Hillary. Quando o Obama se candidatou pela primeira vez também vendi t-shirts a favor dele e contra ele. Nessa época vendi uma data de t-shirts do Obama porque ele ia ser o primeiro Presidente negro, e agora ela pode vir a ser a primeira mulher Presidente. Mas até agora já vendi mais de 700 t-shirts do Trump e seis da Hillary.” Se o mapa eleitoral fosse a loja Pier 21, Hillary Clinton até podia ir viver para o decisivo estado da Florida, que nem assim chegaria perto da Casa Branca.

Entusiasmado com a conversa, Todd Lovitz desata a defender Donald Trump e atinge o ponto alto da argumentação quando repreende o candidato pela forma como ele falou sobre os mexicanos. “Ele não é racista. Pode dizer coisas de forma errada, mas pessoalmente acho que ele não é racista”, diz, antes de se pôr no papel de conselheiro. Afinal, era isto que Donald Trump devia ter dito para não passar a ideia de que é racista: “Quando ele falou sobre os mexicanos que estão a passar a fronteira, o que ele devia ter dito é que essas pessoas podem estar a vir de vários países que nos querem atacar, como a Síria. Eles parecem mexicanos, têm cabelo escuro e bigode. Se não falarem na língua deles ninguém vai saber se são mexicanos ou afegãos. Era isso que ele devia ter dito, mas ele não é um político.”

Mais à frente, ainda no passadiço que o verdadeiro “Nucky” pisou durante a primeira metade do século XX e onde o “Nucky” da série Boardwalk Empire passeou entre 2010 e 2014, Eric Stritch está a acabar de almoçar na Playcade, “o salão de jogos mais antigo de Atlantic City”, a acreditar no que diz a fachada. Lá ao fundo, depois de um batalhão daquelas máquinas que nos deixam acreditar até ao último momento que desta vez é que vamos mesmo conseguir tirar aquele urso de peluche, duas mulheres estão deitadas no chão a brincar com uma criança, aproveitando a hora de almoço e a falta de clientes.

Eric está ao balcão a comer, t-shirt azul como manda a casa, e não quer interromper a refeição enquanto fala. Tem 26 anos e está em Atlantic City há apenas dois anos, mas já sentiu a diferença no negócio por causa do fecho dos casinos. A mãe trabalhou num deles na década de 1980 e contou-lhe como as coisas eram naqueles tempos: muita gente, muita festa, muita “loucura”. Pouco disso se vê hoje por aqui, pelo menos gente, porque festa e loucura cada um fala por si.

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Mas Eric acaba por se revelar um bom exemplo de muitos jovens com quem nos cruzámos em estados tão diferentes como o Maine, o Texas ou a Florida: estas eleições são “loucas”, nenhum dos dois candidatos presta, e a escolha vai ser entre um desequilibrado e uma corrupta. “Se fosse outra pessoa qualquer a concorrer contra um dos que estão no boletim, ganharia de certeza.” Mas no caso de Eric, a escolha está feita. “Eu estava registado como Democrata na Pensilvânia e ia votar no Bernie Sanders, mas já sabia que a Hillary ia ganhar. Assim, provavelmente vou votar no Trump.”

Na Avenida Pacífico, escondida atrás das praias e da fileira de videntes, lojas de recordações, restaurantes e casinos, muitos sem-abrigo esperam por uma refeição quente em três igrejas, não muito longe da entrada principal do fantasma Taj Mahal com a sua manada de estátuas de elefantes e limusinas já sem vida, mas com as luzinhas das máquinas ainda a acender e a apagar. Ouvem-se discussões, pede-se uma moeda, qualquer coisa seja o que for, e sai-se dali com a Atlantic City de Bruce Springsteen na cabeça: “Well now everything dies baby that's a fact / But maybe everything that dies someday comes back.

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