Acusar Garcia Pereira de pertencer à CIA não é crime, diz tribunal

A acusação ao antigo dirigente do MRPP foi feita por José Manuel Coelho. Um tribunal absolveu-o nesta quinta-feira do crime de difamação.

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José Manuel Coelho falou ao julgamento em que responde por difamação por falta de dinheiro para se deslocar ao continente Rui Gaudêncio (arquivo)

O líder do Partido Trabalhista na Madeira, José Manuel Coelho, foi absolvido nesta quinta-feira do crime de difamação por ter acusado o antigo dirigente do MRPP Garcia Pereira de pertencer à CIA e à maçonaria.

A juíza do Campus da Justiça de Lisboa que analisou o caso entendeu que estas expressões foram proferidas no âmbito da luta política e que o próprio queixoso é conhecido por usar também ele "linguagem forte". E deu como exemplo dessa terminologia "forte" o cartaz de propaganda do MRPP das últimas legislativas, com a frase "Morte aos traidores", bem como o facto de Garcia Pereira ter chamado nazi ao anterior Governo.

"O homem político expõe-se inevitável e conscientemente a um controlo atento dos seus factos e gestos, tanto pelos jornalistas como pela generalidade dos cidadãos, e deve revelar uma maior tolerância sobretudo quando ele próprio profere declarações públicas susceptíveis de crítica", observou a magistrada, citando vária jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem segundo a qual os limites da crítica são mais extensos quando a pessoa criticada é uma figura pública - como acontece neste caso. "Na luta política não se exige uma linguagem cuidada e erudita", disse também a juíza, admitindo que as expressões usadas pelo representante do Partido Trabalhista "são contundentes e até susceptíveis de atingir a honra do visado". O cerne da questão, explicou, residia em determinar se tinham sido ditas a coberto do direito da liberdade de expressão, que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considera "um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática", e em contexto de luta política.

Para a decisão de absolvição contribuiu o facto de remontarem a um período políticamente conturbado. Em 2011, estava José Sócrates de saída da chefia do Governo quando o MRPP descobre que o Partido Trabalhista lhe plagiou dois comunicados políticos, um sobre o ex-primeiro-ministro e outro versando política educativa. Ter-se-ia limitado a trocar o logótipo do partido, divulgando o conteúdo como se fosse seu. Quando o Diário de Notícias da Madeira o questionou acerca do assunto, Coelho, que era então candidato à Presidência da República, partiu para o contra-ataque. Chamou “agentes da CIA” ao fundador do MRPP, Arnaldo de Matos, e a Garcia Pereira, que acusou ainda de ser um “maçónico” e de, na qualidade de advogado, instruir os processos que Alberto João Jardim levantava “aos democratas”.

Arnaldo de Matos acabou por desistir de processar o truculento político da Madeira, mas Garcia Pereira manteve-se firme: o advogado e professor universitário ficou “profundamente vexado” por alguém poder imaginar que estava mesmo “ao serviço de uma potência estrangeira responsável por inúmeras violações de direitos humanos, golpes de Estado e assassinatos políticos”. 

Negou igualmente pertencer à maçonaria: “Não sou maçon, tenho familiares e amigos que são.” É verdade que chegou a ter em mãos vários processos contra José Manuel Coelho, que levaram à sua condenação, mas o seu cliente era o vice-presidente do Governo regional, João Cunha e Silva, e não Alberto João Jardim."Não é proibido nem crime pertencer a organizações como a maçonaria", recordou esta quinta-feira a juíza, concluindo que este não foi um ataque pessoal, "mas um ataque cerrado e até maldoso à esfera pública e política" de Garcia Pereira.

O advogado do queixoso recusou-se a prestar declarações à saída do tribunal. O PÚBLICO tentou contactar Garcia Pereira várias vezes ao longo da tarde desta quinta-feira, mas sem sucesso. Já José Manuel Coelho diz que o seu adversário se esqueceu de que, para vencer esta acção judicial, seria necessário desencadeá-la na Madeira, cujos juízes estão "apostados" na sua "destruição".

"Eu já estava mais ou menos à espera de ser absolvido, porque os juízes do continente não me têm animosidade", assinala o dirigente do Partido Trabalhista, que o tribunal diz viver de uma imagem "truculenta e trauliteira" para "captar eleitorado".

Remontam a longe as desconfianças de José Manuel Coelho em relação ao partido do qual Garcia Pereira acabou por ser forçado a sair no final do ano passado, por desentendimentos com a direcção. Ausente do julgamento por falta de dinheiro para se deslocar ao continente — tem parte do ordenado penhorada na sequência de sucessivos processos judiciais do mesmo género que foi perdendo —, Coelho garante saber do que fala no que respeita aos serviços secretos norte-americanos, porque até já militou no PCP: “Em 1971, a CIA achava que Salazar ia cair e que o PCP tinha demasiada força. Foi por isso que criou o MRPP — para confundir as massas e dividir os comunistas.”

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